Paulo Coelho

Stories & Reflections

Décimo Capí­tulo

Author: Paulo Coelho

Peter Sherney, 47 anos, diretor-geral de uma filial do Bank of (eliminado) em Holland Park, Londres

Aceitei Athena apenas porque sua famí­lia era um dos nossos clientes mais importantes “” afinal de contas, o mundo gira em torno dos interesses mútuos. Como era agitada demais, coloquei-a para trabalhar em um servií§o burocrático, na doce esperaní§a de que terminasse por pedir demissí£o; desta maneira, eu poderia dizer ao seu pai que havia tentado ajudá-la, sem sucesso.

Minha experiíªncia como diretor havia me ensinado a conhecer o estado de espí­rito das pessoas, mesmo que elas ní£o digam nada. Haviam ensinado em um curso de gerenciamento: se vocíª quiser livrar-se de alguém, faí§a tudo para que ele termine lhe faltando com o respeito, e assim poderá ser demitido por justa causa.

Fiz todo o possí­vel para atingir meu objetivo com Athena; como ela ní£o dependia deste dinheiro para sobreviver, ia terminar descobrindo que o esforí§o de acordar cedo, deixar o filho na casa da mí£e, trabalhar o dia inteiro em um servií§o repetitivo, voltar para pegar o filho, ir ao supermercado, cuidar da crianí§a, fazíª-la dormir, no dia seguinte tornar a gastar tríªs horas em meios de transporte coletivo, tudo absolutamente desnecessário, já que havia outras maneiras mais interessantes de passar seus dias. Aos poucos estava cada vez mais irritadií§a, e fiquei orgulhoso de minha estratégia: ia conseguir. Ela comeí§ou a reclamar do lugar onde vivia, dizendo que em seu apartamento o proprietário costumava colocar música altí­ssima durante a noite, e já ní£o conseguia nem sequer dormir direito.

De repente, alguma coisa mudou. Primeiro apenas em Athena. E logo em toda a agíªncia.

Como posso notar esta mudaní§a? Bem, um grupo de pessoas que trabalha é sempre uma espécie de orquestra; um bom gerente é o maestro, e sabe qual instrumento está desafinado, qual transmite mais emoí§í£o, e qual simplesmente segue o resto do grupo. Athena parecia tocar seu instrumento sem o menor entusiasmo, sempre distante, jamais dividindo com seus companheiros as alegrias ou tristezas de sua vida pessoal, dando a entender que, quando saí­a do trabalho, o resto do tempo se resumia a cuidar do seu filho, e nada mais. Até que comeí§ou a parecer mais descansada, mais comunicativa, contando para quem quisesse ouvir que havia descoberto um processo de rejuvenescimento.

Claro que isso é uma palavra mágica: rejuvenescimento. Partindo de alguém com apenas 21 anos de idade, soa absolutamente fora de contexto “” e, mesmo assim, as pessoas acreditaram, e comeí§aram a pedir o segredo desta fórmula.

Sua eficiíªncia aumentou “” embora o servií§o continuasse o mesmo. Seus colegas de trabalho, que antes se limitavam ao “bom dia” e “boa noite”, passaram a convidá-la para almoí§ar. Quando voltavam, pareciam satisfeitos, e a produtividade do departamento deu um gigantesco salto.

Sei que pessoas apaixonadas terminam por contagiar o meio em que vivem, deduzi imediatamente que Athena devia ter encontrado alguém muito importante para sua vida.

Perguntei, e ela concordou, acrescentando que jamais tinha saí­do com um cliente, mas neste caso foi impossí­vel recusar o convite. Em uma situaí§í£o normal, teria sido imediatamente despedida “” as regras do banco eram claras, contatos pessoais estavam terminantemente proibidos. Mas, a esta altura, notara que o seu comportamento havia contagiado praticamente todo mundo; alguns de seus colegas comeí§aram a se reunir com ela depois do trabalho, e, pelo que eu saiba, pelo menos dois ou tríªs deles estiveram em sua casa.

Eu estava com uma situaí§í£o muito perigosa nas mí£os; a jovem estagiária, sem qualquer experiíªncia anterior de trabalho, que antes era tí­mida e í s vezes agressiva, tornara-se uma espécie de lí­der natural dos meus funcionários. Se a despedisse, achariam que foi por ciúme “” e perderia o respeito deles. Se a mantivesse, corria o risco de em poucos meses perder o controle do grupo.

Resolvi aguardar um pouco; enquanto isso, a “energia” (eu detesto esta palavra, porque na verdade ní£o quer dizer nada de concreto, a ní£o ser que estejamos falando de eletricidade) da agíªncia comeí§ou a melhorar. Os clientes pareciam mais satisfeitos, e comeí§aram a recomendar outros. Os funcionários estavam alegres, e embora o servií§o tivesse dobrado, eu ní£o fui obrigado a contratar mais gente para o trabalho, já que todos davam conta de suas funí§íµes.

Um dia, recebi uma carta de meus superiores. Eles queriam que eu fosse até Barcelona, onde seria realizada uma convení§í£o do grupo, para poder explicar o método administrativo que estava usando. Segundo eles, tinha conseguido aumentar o lucro sem crescer a despesa, e isso é tudo que interessa aos executivos “” no mundo inteiro, diga-se de passagem.

Qual método?

Meu único mérito era saber onde tudo tinha comeí§ado, e resolvi chamar Athena ao meu escritório. Cumprimentei-a pela excelente produtividade, ela me agradeceu com um sorriso.

Dei um passo cuidadoso, já que ní£o queria ser mal interpretado:

“” E como vai seu namorado? Sempre achei que quem recebe amor, termina dando mais amor ainda. O que ele faz?

“” Trabalha na Scotland Yard (N.R.: departamento de investigaí§í£o ligado í  polí­cia metropolitana de Londres).

Preferi ní£o entrar em maiores detalhes. Mas precisava continuar a conversa a qualquer custo, e ní£o tinha muito tempo a perder.

“” Notei uma grande mudaní§a em vocíª, e…

“” Notou uma grande mudaní§a na agíªncia?

Como responder a uma questí£o dessas? De um lado, estaria lhe dando mais poder do que seria aconselhável, de outro lado, se ní£o fosse direto, jamais teria as respostas que precisava.

“” Sim, notei uma grande mudaní§a. E estou pensando em promovíª-la.

“” Preciso viajar. Quero sair um pouco de Londres, conhecer novos horizontes.

Viajar? Agora que tudo estava dando certo em meu ambiente de trabalho, ela queria ir embora? Mas, pensando melhor, ní£o era exatamente esta saí­da que eu estava precisando e desejando?

“” Posso ajudar o banco se me der mais responsabilidades “” continuou.

Entendido “” e ela estava me dando uma excelente oportunidade. Como é que ní£o havia pensado antes nisso? “Viajar” significava afastá-la, retomar minha lideraní§a, sem ter que arcar com os custos de uma demissí£o ou de uma rebelií£o. Mas precisava refletir sobre o assunto, porque, antes de ajudar o banco, ela precisava me ajudar. Agora que meus chefes haviam notado o crescimento de nossa produtividade, eu sei que precisaria mantíª-la, sob o risco de perder o prestí­gio e ficar em pior posií§í£o que antes. í€s vezes entendo por que grande parte de meus companheiros ní£o procuram fazer muita coisa para melhorar: se ní£o conseguem, sí£o chamados de incompetentes. Se conseguem, sí£o obrigados a crescer sempre, e terminam seus dias tendo um enfarte do miocárdio.

Dei com cuidado o próximo passo: ní£o é aconselhável assustar a pessoa antes que ela revele o segredo que precisamos saber; melhor fingir que concordamos com o que está pedindo.

“” Tentarei fazer chegar seu pedido aos meus superiores. Por sinal, vou me encontrar com eles em Barcelona, e justamente por causa disso é que resolvi chamá-la. Estaria certo se dissesse que o nosso desempenho melhorou desde que, digamos, as pessoas passaram a ter um melhor relacionamento com vocíª?

“” Digamos… um melhor relacionamento com elas mesmas.

“” Sim. Mas provocado por vocíª – ou estou enganado?

“” O senhor sabe que ní£o está enganado.

“” Andou lendo algum livro de gerenciamento que ní£o conheí§o?

“” Ní£o leio este tipo de coisa. Mas gostaria que me prometesse que vai realmente considerar o que pedi.

Pensei em seu namorado da Scotland Yard; se prometesse e ní£o cumprisse, estaria sujeito a uma represália? Será que ele havia lhe ensinado alguma tecnologia de ponta, que consegue obter resultados impossí­veis?

“” Posso contar absolutamente tudo, mesmo que o senhor ní£o cumpra sua promessa. Mas ní£o sei se terá algum resultado, se ní£o fizer o que estou lhe ensinando.

“” A tal “técnica de rejuvenescimento”?

“” Isso mesmo.

“” Será que ní£o basta conhecer apenas em teoria?

“” Talvez. Foi através de algumas folhas de papel que ela chegou até quem me ensinou.

Fiquei contente que ní£o estivesse me forí§ando a tomar decisíµes que estí£o além do meu alcance e dos meus princí­pios. Mas, no fundo, devo confessar que também estava com um interesse pessoal nesta história, já que também sonhava com uma reciclagem de meu potencial. Prometi que faria o possí­vel, e Athena comeí§ou a narrar uma longa e esotérica daní§a em busca de um tal Vértice (ou Eixo, agora ní£o me lembro direito). í€ medida que í­amos falando, eu procurava colocar de maneira objetiva suas reflexíµes alucinadas. Uma hora apenas ní£o foi suficiente, de modo que pedi que voltasse no dia seguinte, e juntos preparamos o relatório para ser apresentado í  diretoria do banco. Em determinado momento de nossa conversa, ela me disse, sorrindo:

“” Ní£o tenha receio de escrever algo muito próximo ao que estamos conversando. Penso que mesmo a diretoria de um banco é feita de gente como nós, de carne e osso, e deve estar interessadí­ssima em processos ní£o convencionais.

Athena estava completamente enganada: na Inglaterra, as tradií§íµes falam sempre mais alto que as inovaí§íµes. Mas o que custava arriscar um pouco, desde que ní£o colocasse em perigo o meu trabalho? Já que a coisa me parecia completamente absurda, era preciso resumi-la e colocá-la de forma que todos pudessem entender. Bastava isso.

Antes de comeí§ar minha conferíªncia em Barcelona, repeti a manhí£ inteira: o “meu” processo está dando resultado, e isso é tudo que interessa. Li alguns manuais, descobrindo que, para apresentar uma idéia nova com o máximo de impacto possí­vel, é preciso também criar uma estrutura de palestra que provoque a audiíªncia, de modo que a primeira coisa que disse para os executivos reunidos em um hotel de luxo foi uma frase de Sí£o Paulo: “Deus escondeu as coisas mais importantes dos sábios, porque eles ní£o conseguem entender o que é simples, e resolveu revelá-las aos simples de coraí§í£o” (N. R.: impossí­vel saber aqui se ele está se referindo a uma citaí§í£o do evangelista Mateus (11, 25) onde diz “Graí§as te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos”. Ou a uma frase de Paulo (Cor 1, 27): “Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes”).

Quando disse isso, o auditório inteiro, que passara dois dias analisando gráficos e estatí­sticas, ficou em silíªncio. Achei que tinha perdido meu emprego, mas resolvi continuar. Primeiro, porque havia pesquisado o tema, estava seguro do que dizia, e merecia o crédito. Segundo, porque, embora em determinados momentos eu fosse obrigado a omitir a influíªncia gigantesca de Athena em todo o processo, eu tampouco estava mentindo:

“” Descobri que, para motivar hoje em dia os funcionários, é preciso mais do que um bom treinamento em nossos centros extremamente qualificados. Todos nós temos nossa parte desconhecida, que, quando vem í  tona, é capaz de produzir milagres.

“Todos nós trabalhamos por alguma razí£o: alimentar os filhos, ganhar dinheiro para sustentar-se, justificar sua vida, conseguir uma parcela de poder. Mas existem etapas aborrecidas durante este percurso, e o segredo consiste em transformar estas etapas em um encontro consigo mesmo, ou com algo mais elevado.

Por exemplo: nem sempre a busca da beleza está associada a alguma coisa prática, e mesmo assim a procuramos como se fosse a coisa mais importante do mundo. Os pássaros aprendem a cantar, o que ní£o significa que isso irá ajudá-los a conseguir comida, evitar os predadores, ou afastar os parasitas. Os pássaros cantam, segundo Darwin, porque só desta maneira conseguem atrair o parceiro e perpetuar a espécie.”

Fui interrompido por um executivo de Genève, que insistia em uma apresentaí§í£o mais objetiva. Mas o Diretor-Geral me encorajou a seguir adiante, o que me deixou entusiasmado.

“” Ainda segundo Darwin, que escreveu um livro capaz de mudar o curso da humanidade (N.R.: A origem das espécies, 1871, onde mostra que o homem é uma evoluí§í£o natural de um tipo de macaco), todos aqueles que conseguem despertar paixíµes estí£o repetindo algo que se passa desde o tempo das cavernas, onde os ritos para cortejar o próximo eram fundamentais para que a espécie humana pudesse sobreviver e evoluir. Ora, que diferení§a existe entre a evoluí§í£o da espécie humana e a evoluí§í£o de uma agíªncia bancária? Nenhuma. As duas obedecem í s mesmas leis “” só os mais capazes sobrevivem e se desenvolvem.

Neste momento, fui obrigado a citar que havia desenvolvido esta idéia graí§as í  espontí¢nea colaboraí§í£o de uma de minhas funcionárias, Sherine Khalil.

“” Sherine, que gosta de ser chamada de Athena, trouxe para o seu lugar de trabalho um novo tipo de comportamento, ou seja, a paixí£o. Isso mesmo, a paixí£o, algo que nunca consideramos quando estamos tratando de empréstimos ou planilhas de gastos. Meus funcionários passaram a usar a música como um estí­mulo para atender melhor seus clientes.

Outro executivo interrompeu, dizendo que isso era uma idéia antiga: os supermercados faziam a mesma coisa, usando melodias que induziam o cliente a comprar.

“” Eu ní£o estou dizendo que colocamos música no ambiente de trabalho. As pessoas passaram a viver de maneira diferente, porque Sherine, ou Athena se preferirem, ensinou-os a daní§ar antes de enfrentarem sua labuta diária. Ní£o sei exatamente que mecanismo isso pode despertar nas pessoas; como gerente, sou apenas responsável pelos resultados, e ní£o pelo processo. Ní£o dancei. Mas entendi que, através daquele tipo de daní§a, todos se sentiam mais conectados com o que faziam.

“Nascemos, crescemos, e fomos educados com a máxima: tempo é dinheiro. Sabemos exatamente o que é dinheiro, mas qual o significado da palavra tempo? O dia compreende 24 horas e uma infinidade de momentos. Precisamos ter consciíªncia de cada minuto, saber aproveitá-lo naquilo que estamos fazendo ou apenas na contemplaí§í£o da vida. Se desaceleramos, tudo dura muito mais. Claro, pode durar mais a lavagem de pratos, ou a soma de saldos, ou a compilaí§í£o de créditos, ou a contagem de notas promissórias, mas por que ní£o usar isso para pensar em coisas agradáveis, alegrar-se com o fato de estar vivo?”

O principal executivo do banco me olhava com surpresa. Tenho certeza que ele desejava que eu continuasse a explicar detalhadamente tudo o que aprendera, mas alguns dos presentes comeí§avam a sentir-se inquietos.

“” Entendo perfeitamente o que o senhor quer dizer “” comentou ele. “” Sei que seus funcionários passaram a fazer o trabalho com mais entusiasmo, porque tinham pelo menos um momento do dia em que entravam em contato consigo mesmos. Gostaria de cumprimentá-lo por ter sido flexí­vel o bastante para permitir a integraí§í£o de ensinamentos ní£o ortodoxos, que estí£o dando excelentes resultados.

“Mas, já que estamos em uma convení§í£o, e estamos falando de tempo, o senhor tem apenas cinco minutos para concluir sua apresentaí§í£o. Seria possí­vel tentar elaborar uma lista de pontos principais que nos permitam aplicar estes princí­pios em outras agíªncias?”

Ele tinha razí£o. Aquilo tudo podia ser bom para o emprego, mas podia também ser fatal para minha carreira, de modo que resolvi resumir o que tí­nhamos escrito juntos.

“” Baseando-me em observaí§íµes pessoais, desenvolvi junto com Sherine Khalil alguns pontos, que terei o maior prazer em discutir com quem se interessar. Aqui ví£o os principais:

“A] todos nós temos uma capacidade desconhecida, e que permanecerá desconhecida para sempre. Mesmo assim, ela pode ser nossa aliada. Como é impossí­vel medi-la ou dar a esta capacidade um valor econí´mico, nunca é levada em consideraí§í£o, mas estou falando aqui com seres humanos, tenho certeza que entendem o que estou dizendo, pelo menos em teoria.

“B] Na minha agíªncia, tal capacidade foi provocada através de uma daní§a baseada em um ritmo que, se ní£o me engano, vem dos desertos da ísia. Mas o lugar onde nasceu é irrelevante, desde que as pessoas possam expressar com seu corpo o que a alma pretende dizer. Sei que a palavra ‘alma’ pode ser mal compreendida aqui, portanto aconselho que a troquemos por ‘intuií§í£o’. E se esta palavra também ní£o for bem assimilada, usaremos entí£o ’emoí§íµes primárias’, que parece ter uma conotaí§í£o mais cientí­fica, embora queira dizer menos do que as palavras anteriores.

“C] Antes de ir ao trabalho, em vez de ginástica ou exercí­cios de aeróbica, estimulei meus funcionários a daní§arem pelo menos durante uma hora. Isso estimula o corpo e a mente, comeí§am o dia exigindo criatividade de si mesmos, e passam a utilizar esta energia acumulada em suas tarefas na agíªncia.

“D] os clientes e os empregados vivem em um mesmo mundo: a realidade ní£o passa de estí­mulos elétricos em nosso cérebro. Aquilo que achamos que ‘vemos’ é um impulso de energia em uma zona completamente escura da cabeí§a. Portanto, podemos tentar modificar esta realidade, se entramos na mesma sintonia. De alguma maneira que ní£o posso entender, a alegria é contagiosa, como o entusiasmo e o amor. Ou como a tristeza, a depressí£o, o ódio “” coisas que podem ser percebidas ‘intuitivamente’ pelos clientes e por outros funcionários. Para melhorar o desempenho, é preciso criar mecanismos que mantenham estes estí­mulos positivos presentes.”

“” Muito esotérico “” comentou uma mulher que dirigia os fundos de aí§íµes de uma agencia no Canadá.

Perdi um pouco a compostura “” ní£o havia conseguido convencer ninguém. Fingindo ignorar seu comentário, e usando toda minha criatividade, busquei um desfecho técnico:

“” O banco devia dedicar uma certa verba para pesquisar como é que este contágio é feito, e desta maneira terí­amos muito mais lucro. Aquele final me parecia razoavelmente satisfatório, de modo que preferi ní£o usar os dois minutos que ainda me restavam. Quando acabou o seminário, no final de um dia exaustivo, o Diretor-Geral me chamou para jantarmos “” na frente de todos os outros colegas, como se estivesse procurando mostrar que me apoiava em tudo que dissera. Nunca havia tido esta oportunidade antes, e procurei aproveitar o melhor possí­vel; comecei a falar de desempenhos, planilhas, dificuldades nas bolsas de valores, novos mercados. Mas ele me interrompeu: estava mais interessado em saber tudo que eu havia aprendido de Athena.

No final, para minha surpresa, levou a conversa para assuntos pessoais.

“” Eu sei o que vocíª estava falando na conferíªncia, quando mencionou o tempo. No iní­cio deste ano, enquanto estava aproveitando minhas férias durante as festas, resolvi sentar-me um pouco no jardim de minha casa. Peguei o jornal na caixa de correio, nada de importante “” exceto as coisas que os jornalistas decidiram que devemos saber, acompanhar, tomar posií§í£o a respeito.

“Pensei em telefonar para alguém de minha equipe, mas seria um absurdo, já que todos estavam com suas famí­lias. Almocei com minha mulher, filhos e netos, tirei um cochilo, quando acordei fiz uma série de anotaí§íµes, e de repente vi que ainda eram duas horas da tarde, tinha mais tríªs dias sem trabalho, e, por mais que adorasse a convivíªncia com minha famí­lia, comecei a me sentir inútil.

“No dia seguinte, aproveitando o tempo livre, fui fazer um check-up do estí´mago, que felizmente ní£o mostrou nada de grave. Fui ao dentista, que disse ní£o haver qualquer problema. Tornei a almoí§ar com mulher, filhos e netos, tornei a dormir, acordei de novo í s duas da tarde, e dei-me conta que ní£o tinha absolutamente nada em que concentrar minha atení§í£o.

“Fiquei assustado: ní£o devia estar fazendo alguma coisa? Se quiser inventar trabalho, ní£o precisa muito esforí§o “” sempre temos projetos a serem desenvolvidos, lí¢mpadas que precisam ser trocadas, folhas secas que devem ser varridas, arrumaí§í£o de livros, organizaí§í£o dos arquivos do computador, etc. Mas que tal encarar o vazio total? E foi neste momento que me lembrei de algo que me pareceu extremamente importante: precisava ir até a caixa de correio, que fica a um quilí´metro de minha casa de campo, colocar um dos cartíµes de boas-festas que ficara esquecido em cima de minha mesa.

“E fiquei surpreso: por que preciso enviar este cartí£o hoje? Será que é impossí­vel ficar como estou agora, sem fazer nada?

“Uma série de pensamentos cruzou minha cabeí§a: amigos que se preocupam com coisas que ainda ní£o aconteceram, conhecidos que sabem preencher cada minuto de suas vidas com tarefas que me parecem absurdas, conversas sem sentido, telefonemas longos para ní£o dizer nada de importante. Já vi meus diretores inventando trabalho para justificar seus cargos, ou funcionários que ficam com medo porque ní£o lhes foi dado nada de importante para fazer aquele dia e isso pode significar que ní£o sí£o mais úteis. Minha mulher que se tortura porque meu filho se divorciou, meu filho que se tortura porque meu neto teve notas baixas na escola, meu neto que morre de medo porque entristece seus pais “” embora todos nós saibamos que estas notas ní£o sí£o tí£o importantes assim.

“Travei uma longa e difí­cil luta comigo mesmo para ní£o me levantar dali onde estava. Pouco a pouco, a ansiedade foi cedendo lugar í  contemplaí§í£o, e eu comecei a escutar minha alma “” ou intuií§í£o, ou emoí§íµes primitivas, dependendo do que vocíª acredite. Seja o que for, esta parte de mim estava louca para conversar, mas eu vivo ocupado.

“Neste caso ní£o foi a daní§a, mas a completa ausíªncia de ruí­do e de movimento, o silíªncio, que me fez entrar em contato comigo. E, acredite se quiser, aprendi muitas coisas sobre os problemas que me preocupavam “” embora todos estes problemas tivessem se afastado por completo enquanto eu estava ali sentado. Ní£o vi Deus, mas pude entender mais claramente as decisíµes a tomar.”

Antes de pagar a conta, ele sugeriu que eu enviasse a tal funcionária a Dubai, onde o banco estava abrindo uma nova agíªncia, e os riscos eram grandes. Como um excelente diretor, sabia que eu já aprendera tudo que precisava, e agora era apenas uma questí£o de dar continuidade “” a funcionária podia ser mais útil em outro lugar. Sem que soubesse, estava me ajudando a cumprir a promessa que havia feito.

Quando voltei a Londres, imediatamente comuniquei o convite a Athena. Ela aceitou na hora; disse que falava árabe fluentemente (eu sabia, por causa das origens de seu pai). Mas ní£o pretendí­amos fazer negócios com árabes, e sim com estrangeiros. Agradeci sua ajuda, ela ní£o demonstrou qualquer curiosidade sobre minha palestra na convení§í£o “” perguntou apenas quando devia preparar as malas.

Até hoje ní£o sei se é fantasia esta história de namorado da Scotland Yard. Acho que, se fosse verdade, o assassino de Athena já estaria preso “” porque ní£o acredito em nada do que os jornais contaram a respeito do crime. Enfim, posso entender muito bem de engenharia financeira, posso até mesmo dar-me ao luxo de dizer que a daní§a ajuda os funcionários de banco a trabalharem melhor, mas jamais conseguirei compreender por que a melhor polí­cia do mundo consegue prender alguns assassinos, e deixar outros soltos.

Isso, entretanto,já ní£o faz mais diferení§a.

Próximo texto: 18.09.06

Sexto Capí­tulo

Author: Paulo Coelho

Padre Giancarlo Fontana, setenta y dos años

Claro que me quedé muy sorprendido cuando aquella pareja, demasiado joven, vino a la iglesia para que organizásemos la ceremonia. Yo conocí­a poco a Lukás Jessen-Petersen, y aquel mismo dí­a me enteré que su familia, de una oscura nobleza de Dinamarca, se oponí­a frontalmente a la unión. No sólo al matrimonio, sino también a la Iglesia.

Su padre, basándose en argumentos cientí­ficos relativamente incontestables, decí­a que la Biblia, en la que se basaba toda la religión, en realidad no era un libro, sino un conjunto de 66 manuscritos diferentes de los que no se conoce ni el verdadero nombre, ni la identidad del autor; entre el primer y el último libro pasaron casi mil años, y que incluso fue escrito después de que Colón descubrió América. Y que ningún ser vivo en todo el planeta “”desde los monos a los pájaros”” necesita diez mandamientos para saber cómo comportarse. Lo más importante es que sigan las leyes de la naturaleza, y el mundo estará en armoní­a.

Claro que leo la Biblia. Claro que sé algo de su historia. Pero los seres humanos que la escribieron fueron instrumentos del Poder Divino, y Jesús forjó una alianza mucho más fuerte que los diez mandamientos: el amor. Los pájaros, los monos, o cualquier criatura de Dios de la que hablemos, obedecen a sus instintos y siguen sólo aquello que está programado. En el caso del ser humano, las cosas son más complicadas, porque conoce el amor y sus trampas.

Bueno. Ya estoy soltando un sermón cuando en realidad deberí­a estar hablando de mi encuentro con Athena y Lukás. Mientras hablaba con el chico “”y digo hablar, porque no pertenecemos a la misma fe, y por tanto no estoy sometido al secreto de confesión””, supe que, además del anticlericalismo que reinaba en su casa, habí­a un gran recelo por el hecho de que Athena fuera extranjera. Quise pedirle que recordase por lo menos una cita de la Biblia, que no contiene ninguna alusión a la fe, sino un consejo:

No abominarás al idumeo, porque es tu hermano; tampoco al egipcio tendrás por abominable, porque extranjero fuiste en su tierra.

Perdón. Otra vez empiezo a citar la Biblia, pero prometo que me voy a controlar a partir de ahora. Después de la conversación con el chico, pasé por lo menos dos horas con Sherine, o Athena, como ella preferí­a que la llamasen.

Athena siempre me intrigó. Desde que empezó a frecuentar la iglesia, me parecí­a que tení­a un proyecto muy claro en mente: convertirse en santa. Me dijo que, aunque su novio no lo supiese, poco antes de que estallase la guerra civil en Beirut habí­a tenido una experiencia muy parecida a la de santa Teresa de Lisieux: habí­a visto sangre en las calles. Podemos atribuirle todo eso a un trauma de la infancia y la adolescencia, pero el hecho es que tal experiencia, conocida como «la posesión creativa por lo sagrado», les sucede a todos los seres humanos, en mayor o menor medida. De repente, por una fracción de segundo, sentimos que toda nuestra vida está justificada, nuestros pecados son perdonados, el amor siempre es más fuerte, y nos puede transformar definitivamente.

Pero también es en ese momento en el que tenemos miedo. Entregarse por completo al amor, ya sea divino o humano, significa renunciar a todo, incluso al propio bienestar, o a la propia capacidad de tomar decisiones. Significa amar en el sentido más profundo de la palabra. En realidad, no queremos ser salvados de la manera que Dios escogió para rescatarnos: queremos mantener el control absoluto de todos nuestros pasos, ser plenamente conscientes de nuestras decisiones, ser capaces de escoger el objeto de nuestra devoción.

Con el amor no es así­: llega, se instala, y pasa a controlarlo todo. Sólo algunas almas muy fuertes se dejan llevar, y Athena era un alma fuerte.

Tan fuerte que se pasaba horas en profunda contemplación. Tení­a un don especial para la música; decí­an que bailaba muy bien, pero como la iglesia no es un lugar apropiado para eso, solí­a traer su guitarra todas las mañanas, y quedarse un rato cantándole a la Virgen, antes de ir a la universidad.

Todaví­a me acuerdo de cuando la oí­ por primera vez. Ya habí­a celebrado la misa matinal para los pocos feligreses dispuestos a despertarse temprano en invierno, cuando recordé que me habí­a olvidado de recoger el dinero depositado en la caja de limosnas. Volví­, y oí­ una música que me hizo verlo todo de manera diferente, como si el ambiente hubiese sido tocado por la mano de un ángel. En un rincón, en una especie de trance, una joven de aproximadamente veinte años de edad, tocaba con su guitarra algunos himnos de alabanza, con los ojos fijos en la imagen de la Inmaculada Concepción.

Me acerqué a la caja de limosnas. Ella notó mi presencia e interrumpió lo que hací­a, pero yo asentí­ con la cabeza, animándola a seguir. Después me senté en un banco, cerré los ojos y me quedé escuchando.

En ese momento, la sensación del Paraí­so, «la posesión creativa por lo sagrado», pareció descender de los cielos. Como si entendiese lo que estaba pasando en mi corazón, ella empezó a combinar el canto con el silencio. En los momentos en los que ella paraba de tocar, yo rezaba una oración. Luego, volví­a a sonar la música.

Fui consciente de que estaba viviendo un momento inolvidable de mi vida; esos momentos que no entendemos hasta que se han ido. Estaba allí­ í­ntegramente, sin pasado, sin futuro, sólo viviendo aquella mañana, aquella música, aquella dulzura, la oración inesperada. Entré en una especie de adoración, de éxtasis, de gratitud por estar en este mundo, contento por haber seguido mi vocación a pesar de los enfrentamientos con mi familia. En la simplicidad de aquella pequeña capilla, en la voz de la chica, en la luz de la mañana que todo lo inundaba, entendí­ una vez más que la grandeza de Dios se muestra a través de las cosas más simples.

Después de muchas lágrimas y de lo que me pareció una eternidad, ella paró. Me giré, descubrí­ que era una de mis feligresas. Desde entonces nos hicimos amigos, y siempre que podí­amos participábamos de esta adoración a través de la música.

Pero la idea del matrimonio me sorprendió muchí­simo. Como nos tratábamos con confianza, quise saber cómo esperaba que la recibiese la familia de su marido.

“”Mal. Muy mal.

Con mucha delicadeza, le pregunté si se veí­a forzada a casarse por alguna razón.

“”Soy virgen. No estoy embarazada.

Quise saber si ya se lo habí­a comunicado a su propia familia y me dijo que sí­: la reacción fue terrible, acompañada por las lágrimas de su madre y por las amenazas de su padre.

“”Cuando vengo aquí­ a alabar a la Virgen con mi música, no pienso en lo que van a decir los demás; simplemente comparto con ella mis sentimientos. Y desde que tengo uso de razón, siempre ha sido así­; soy un vaso en el que la Energí­a Divina puede manifestarse. Y esta energí­a ahora me pide que tenga un hijo, para poder darle aquello que mi madre biológica jamás me dio: protección y seguridad.

«Nadie está seguro en esta tierra», respondí­. Todaví­a tení­a un largo futuro por delante, habí­a mucho tiempo para que el milagro de la creación se manifestase. Pero Athena estaba decidida:

“”Santa Teresa no se rebeló contra la enfermedad que tuvo; todo lo contrario, vio en ello un signo de Gloria. Santa Teresa era mucho más joven que yo, tení­a quince años, cuando decidió entrar en un convento. Se lo prohibieron y no lo aceptó, decidió ir a hablar directamente con el Papa. ¿Se imagina lo que es eso? ¡Hablar con el Papa! Y logró su objetivo.

«Esta misma Gloria, que me está pidiendo algo mucho más fácil y mucho más generoso que una enfermedad: que sea madre. Si espero mucho, no podré ser compañera de mi hijo, la diferencia de edad será grande, y ya no tendremos los mismos intereses en común.

No serí­a la única, insistí­.

Pero Athena siguió, como si no me escuchase:

“”Sólo soy feliz cuando pienso que Dios existe y me escucha; eso no basta para seguir viviendo, y nada parece tener sentido. Intento mostrar una alegrí­a que no siento, escondo mi tristeza para que no se inquieten los que tanto me aman y se preocupan por mí­. Pero recientemente he considerado la posibilidad del suicidio. Por la noche, antes de dormir, tengo largas conversaciones conmigo misma, y pido que se me vaya esta idea de la cabeza: serí­a una ingratitud hacia todos, una fuga, una manera de expandir tragedia y miseria por la tierra. Por la mañana vengo aquí­ a hablar con la santa, a pedirle que me libere de los demonios con los que hablo por la noche. Me ha dado resultado hasta ahora, pero empiezo a flaquear. Sé que tengo una misión que he rechazado durante mucho tiempo, y ahora debo aceptarla.

«Esa misión es ser madre. Tengo que cumplirla, o me voy a volver loca. Si no puedo ver la vida creciendo dentro de mí­, no podré volver a aceptar la vida que está fuera.

Próximo texto: 18.09.06

Nono Capí­tulo

Author: Paulo Coelho

Pavel Podbieslki, 57 anos, proprietário do apartamento

Eu e Athena tí­nhamos uma coisa em comum: éramos ambos exilados de guerras, chegamos í  Inglaterra ainda crianí§as, embora minha fuga da Polí´nia tenha acontecido há mais de cinqüenta anos. Nós dois sabí­amos que, embora sempre haja uma mudaní§a fí­sica, as tradií§íµes permanecem no exí­lio “” as comunidades tornam a se reunir, a lí­ngua e a religií£o continuam vivas, as pessoas tendem a se proteger umas í s outras no ambiente que será para sempre estrangeiro.

Da mesma maneira que as tradií§íµes permanecem, o desejo de voltar vai sumindo. Ele precisa permanecer vivo em nossos coraí§íµes, uma esperaní§a com a qual gostamos de nos enganar “” mas que nunca será colocada em prática; eu jamais tornarei a viver em Czestochowa, ela e sua famí­lia jamais retornariam a Beirute.

Foi este tipo de solidariedade que me fez alugar o terceiro andar de minha casa em Basset Road “” caso contrário, eu teria preferido inquilinos que ní£o tivessem crianí§as. Já havia cometido este erro antes, e duas coisas aconteciam: eu me queixava do barulho que eles faziam durante o dia, e eles se queixavam do barulho que eu fazia durante a noite. Ambos tinham suas raí­zes em elementos sagrados “” o choro e a música “”, mas, como pertenciam a dois mundos completamente diferentes, era difí­cil que um tolerasse o outro.

Avisei-a, mas ela ní£o ligou, e disse que ficasse tranqüilo quanto ao seu filho: ele passava o dia inteiro na casa da avó. E o apartamento tinha a conveniíªncia de ser perto de seu trabalho, um banco nas redondezas.

Apesar dos meus avisos, apesar de ter resistido bravamente no inicio, oito dias depois a campainha de minha porta tocou. Era ela, com o menino nos braí§os:

“” Meu filho ní£o consegue dormir. Será que apenas hoje ní£o dá para abaixar a música…

Todos na sala a olharam.

“” O que é isso?

O menino em seu colo parou imediatamente de chorar, como se estivesse tí£o surpreso como a mí£e ao ver aquele grupo de gente, que subitamente parara de daní§ar.

Apertei o botí£o que dava uma pausa na fita cassete, acenei com uma das mí£os para que entrasse, e logo destravei de novo o aparelho de som, de modo a ní£o perturbar o ritual. Athena sentou-se em um dos cantos da sala, embalando o bebíª em seus braí§os, vendo que ele dormia com facilidade apesar do ruí­do do tambor e dos metais. Assistiu a toda a cerimí´nia, saiu quando os outros convidados também saí­ram e “” como eu podia imaginar “” tocou a campainha de minha casa na manhí£ seguinte, antes de ir para o trabalho.

“” Ní£o precisa me explicar o que vi: gente daní§ando de olhos fechados, e sei o que isso significa, porque muitas vezes faí§o a mesma coisa, sí£o os únicos momentos de paz e de serenidade na minha vida. Antes de ser mí£e, freqüentava boates com meu marido e meus amigos; ali também via gente na pista de daní§a com os olhos fechados, algumas apenas para impressionar os outros, outras como se fossem movidas por uma forí§a maior, mais poderosa. E, desde que me entendo por gente, encontrei na daní§a uma maneira de conectar-me com algo mais forte, mais poderoso que eu. Mas queria saber que música é essa.

“” O que vai fazer neste domingo?

“” Nada de especial. Passear com Viorel no Regent’s Park, respirar um pouco de ar puro. Terei muito tempo para minha própria agenda “” neste momento de minha vida, escolhi seguir a agenda do meu filho.

“” Pois irei com vocíª.

Nos dois dias antes de nosso passeio, Athena vinha assistir ao ritual. O filho dormia depois de alguns minutos, e ela apenas olhava, sem dizer nada, o movimento ao redor. Embora permanecesse imóvel no sofá, tinha certeza que sua alma estava daní§ando.

Na tarde de domingo, enquanto passeávamos no parque, pedi que prestasse atení§í£o a tudo que estava vendo e ouvindo: as folhas que balaní§avam ao vento, as ondas na água do lago, os pássaros cantando, os cí£es latindo, os gritos de crianí§as que corriam de um lado para o outro, como se obedecessem a uma estranha lógica, incompreensí­vel para os adultos.

“” Tudo se move. E tudo se move com um ritmo. E tudo que se move com um ritmo provoca um som; isso está acontecendo aqui e em qualquer lugar do mundo neste momento. Nossos ancestrais notaram a mesma coisa, quando procuravam fugir do frio em suas cavernas: as coisas se moviam e faziam barulho.

“Os primeiros seres humanos talvez tivessem olhado isso com espanto, e logo em seguida com devoí§í£o: entenderam que esta era a maneira de uma Entidade Superior comunicar-se com eles. Passaram a imitar os ruí­dos e os movimentos í  sua volta, na esperaní§a de comunicar-se também com esta Entidade: a daní§a e a música acabavam de nascer. Há alguns dias vocíª me disse que, daní§ando, consegue comunicar-se com algo mais poderoso que vocíª.”

“” Quando daní§o, sou uma mulher livre. Melhor dizendo, sou um espí­rito livre, que pode viajar pelo universo, olhar o presente, adivinhar o futuro, transformar-se em energia pura. E isso me dá um imenso prazer, uma alegria que está sempre muito mais além das coisas que já experimentei, e que terei que experimentar ao longo de minha existíªncia.

“Em uma época da minha vida estava determinada a transformar-me em santa “” louvando Deus através da música e dos movimentos do meu corpo. Mas este caminho está definitivamente fechado para mim.”

“” Que caminho está fechado?

Ela ajeitou a crianí§a no carrinho de bebíª. Vi que ní£o tinha vontade de responder í  pergunta, insisti: quando as bocas se fecham, é porque algo de importante está para ser dito.

Sem demonstrar nenhuma emoí§í£o, como se tivesse que agüentar sempre em silíªncio as coisas que a vida lhe impunha, ela contou-me o episódio da Igreja, quando o padre “” talvez seu único amigo “” lhe havia recusado a comunhí£o. E a maldií§í£o que laní§ara naquele minuto; abandonara para sempre a Igreja Católica.

“” Santo é aquele que dignifica sua vida “” expliquei. “” Basta entender que todos nós estamos aqui por uma razí£o, e basta comprometer-se com ela. Assim, podemos rir de nossos grandes ou pequenos sofrimentos, e caminhar sem medo, conscientes de que cada passo tem um sentido. Podemos deixar-nos guiar pela luz que emana do Vértice.

“” O que é o Vértice? Em matemática, é o ponto superior de um trií¢ngulo.

“” Na vida também é o ponto culminante, a meta de todos aqueles que erram como todo mundo, e, mesmo em seus momentos mais difí­ceis, ní£o perdem de vista uma luz que emana de seu coraí§í£o. Isso procuramos fazer em nosso grupo. O Vértice está escondido dentro de nós, e podemos chegar até ele se o aceitarmos, e se reconhecermos sua luz.

Expliquei que a daní§a que vira nos dias anteriores, realizada por pessoas de todas as idades (no momento éramos um grupo de dez pessoas, entre 19 e 65 anos), tinha sido batizada por mim de “a busca do Vértice”. Athena perguntou onde eu havia descoberto isso.

Contei-lhe que, logo depois do final da Segunda Guerra, parte de minha famí­lia tinha conseguido escapar do regime comunista que estava sendo instalado na Polí´nia, resolvendo mudar-se para a Inglaterra. Escutaram dizer que, entre as coisas que deviam trazer, estavam objetos de arte e livros antigos, muito valorizados nesta parte do mundo.

De fato, quadros e esculturas foram logo vendidos, mas os livros ficaram em um canto, enchendo-se de poeira. Como minha mí£e queria obrigar-me a ler e falar poloníªs, eles serviram para minha educaí§í£o. Um belo dia, dentro de uma edií§í£o do século XIX de Thomas Malthus, descobri duas folhas de anotaí§íµes de meu aví´, morto em um campo de concentraí§í£o. Comecei a ler, acreditando tratar-se de referíªncias sobre heraní§a, ou cartas apaixonadas para alguma amante secreta, já que corria a lenda de que um dia se apaixonara por alguém na Rússia.

De fato, havia uma certa relaí§í£o entre a lenda e a realidade. Era um relato de sua viagem í  Sibéria durante a revoluí§í£o comunista; ali, na remota aldeia de Diedov, apaixonou-se por uma atriz (N.R.: foi impossí­vel localizar no mapa tal aldeia; ou o nome foi propositadamente trocado, ou o lugar desapareceu depois das imigraí§íµes forí§adas de Stalin). Segundo meu aví´, ela fazia parte de uma espécie de seita, que julga encontrar em determinado tipo de daní§a o remédio para todos os males, já que ela permite o contato com a luz do Vértice.

Estavam temerosos que toda aquela tradií§í£o pudesse desaparecer; os habitantes seriam em breve deslocados para outro lugar, e o local passaria a ser usado para testes nucleares. Tanto a atriz como seus amigos pediram que escrevesse tudo que tinham aprendido. Ele assim o fez, mas ní£o deve ter dado muita importí¢ncia ao caso, esquecendo suas anotaí§íµes dentro de um livro que carregava, até que um dia eu as descobri.

Athena me interrompeu:

“” Mas ní£o se pode escrever sobre daní§a. É preciso daní§ar.

“” Exato. No fundo, as anotaí§íµes diziam apenas isso: daní§ar até a exaustí£o, como se fí´ssemos alpinistas subindo esta colina, esta montanha sagrada. Daní§ar até que, por causa da respiraí§í£o ofegante, nosso organismo possa receber oxigíªnio de uma maneira que ní£o está acostumado, e isso termina por fazer com que percamos nossa identidade, nossa relaí§í£o com o espaí§o e o tempo. Daní§ar ao som de percussí£o apenas, repetir o processo todos os dias, entender que em determinado momento os olhos se fecham naturalmente, e passamos a enxergar uma luz que vem de dentro de nós, que responde nossas perguntas, que desenvolve nossos poderes escondidos.

“” O senhor já desenvolveu algum poder?

Em vez de responder, sugeri que se juntasse ao nosso grupo, já que o menino parecia sempre estar í  vontade mesmo quando o som dos pratos e instrumentos de percussí£o parecia muito alto. No dia seguinte, na hora que sempre comeí§ávamos a sessí£o, ela estava ali. Apresentei-a aos meus companheiros, explicando apenas que se tratava da vizinha do apartamento de cima; ninguém disse nada sobre sua vida, nem perguntou o que ela fazia. Quando chegou a hora marcada, liguei o som e comeí§amos a daní§ar.

Ela iniciou seus passos com o menino no colo, mas ele logo dormiu, e Athena o colocou no sofá. Antes de fechar meus olhos e entrar em transe, vi que ela tinha entendido exatamente o caminho do Vértice.

Todos os dias “” exceto aos domingos “” ali estava ela com a crianí§a. Trocávamos apenas umas poucas palavras de boas-vindas; eu colocava a música que um amigo meu conseguira nas estepes russas, e todos comeí§ávamos a daní§ar até estarmos exaustos. No final de um míªs, ela me pediu uma cópia da fita.

“” Gostaria de fazer isso de manhí£, antes de deixar Viorel na casa de mamí£e e ir para o trabalho.

Eu relutei:

“” Em primeiro lugar, penso que um grupo que está conectado na mesma energia termina criando uma espécie de aura e facilitando o transe de todo mundo. Além do mais, fazer isso antes de ir ao trabalho é preparar-se para ser despedida, já que passará o dia inteiro cansada.

Athena pensou um pouco, mas logo reagiu:

“” O senhor tem razí£o quando fala na energia coletiva. Vejo que no seu grupo existem quatro casais e sua mulher. Todos, absolutamente todos “” encontraram o amor. Por isso, podem dividir uma vibraí§í£o positiva comigo.

“Mas estou só. Melhor dizendo, estou com meu filho, mas seu amor ainda ní£o pode se manifestar de maneira que possamos entender. Entí£o prefiro aceitar minha solidí£o: se procurar fugir dela neste momento, jamais tornarei a encontrar um parceiro. Se aceitá-la ao invés de ficar lutando contra ela, talvez as coisas mudem. Vi que a solidí£o é mais forte quando tentamos nos confrontar com ela “” mas torna-se fraca quando simplesmente a ignoramos.

“” Vocíª veio para o nosso grupo em busca do amor?

“” Acho que seria um bom motivo, mas a resposta é ní£o. Vim em busca de um sentido para a minha vida, cuja única razí£o é meu filho, e por isso temo que acabe destruindo Viorel, seja com uma proteí§í£o exagerada, seja porque terminarei projetando nele os sonhos que ní£o consegui realizar. Em um destes dias, enquanto daní§ava, me senti curada. Se estivesse com algo fí­sico, sei que poderí­amos chamar um milagre; mas era algo espiritual, que me incomodava, e que de repente se afastou.

Eu sabia do que ela estava falando.

“” Ninguém me ensinou a daní§ar ao som desta música “” continuou Athena. “” Mas eu pressinto que sei o que estou fazendo.

“” Ní£o é necessário aprender. Lembre-se de nosso passeio no parque, e do que vimos: a natureza criando o ritmo e adaptando-se a cada momento.

“” Ninguém me ensinou a amar. Mas eu já amei a Deus, amei meu marido, amo meu filho e minha famí­lia. E mesmo assim, falta algo. Embora eu fique cansada enquanto daní§o, quando termino pareí§o estar em estado de graí§a, em um íªxtase profundo. Quero que este íªxtase se prolongue durante o dia. E que ele me ajude a encontrar o que falta: o amor de um homem.

“Posso sempre ver o coraí§í£o deste homem enquanto daní§o, embora ní£o consiga ver sua face. Sinto que ele está próximo, e para isso preciso estar atenta. Preciso daní§ar de manhí£, de modo que possa passar o resto do dia prestando atení§í£o a tudo que acontece í  minha volta.

“” Vocíª sabe o que quer dizer a palavra “íªxtase”? Ela vem do grego, e significa: sair de si mesmo. Passar o dia inteiro fora de si mesmo, é pedir demasiado do corpo e da alma.

“” Tentarei.

Vi que ní£o adiantava discutir, e fiz uma cópia da fita. A partir de entí£o, todos os dias acordava com aquele som no andar de cima, podia ouvir seus passos, e me perguntava como era capaz de encarar seu trabalho em um banco depois de quase uma hora de transe. Em um de nossos encontros casuais nos corredores, sugeri que viesse tomar um café. Athena me contou que tinha feito outras cópias da fita, e que agora muita gente em seu trabalho estava procurando o Vértice.

“” Agi errado? Era algo secreto?

Claro que ní£o; pelo contrário, estava me ajudando a preservar uma tradií§í£o quase perdida. Nas anotaí§íµes do meu aví´, uma das mulheres dizia que um monge em visita pela regií£o havia afirmado que todos os nossos antepassados e todas as geraí§íµes futuras estí£o presentes em nós. Quando nos libertávamos, estávamos fazendo a mesma coisa com a humanidade.

“” Entí£o as mulheres e homens daquela cidadezinha da Sibéria devem estar presentes, e contentes. O trabalho deles está renascendo neste mundo, graí§as ao seu aví´. Mas eu tinha uma curiosidade: por que resolveu daní§ar, depois que leu o texto? Se tivesse lido algo sobre esporte, teria decidido ser jogador de futebol?

Era a pergunta que ninguém me fazia.

“” Porque estava doente, na época. Tinha uma espécie de artrite rara, e os médicos diziam que eu devia me preparar para estar em uma cadeira de rodas aos 35 anos. Vi que tinha pouco tempo diante de mim, e resolvi me dedicar a tudo que ní£o poderia fazer mais adiante. Meu aví´ tinha escrito, naquele pequeno pedaí§o de papel, que os habitantes de Diedov acreditavam nos poderes curativos do transe.

“” Pelo visto, eles tinham razí£o.

Eu ní£o respondi nada, mas ní£o estava tí£o certo assim. Talvez os médicos tivessem se enganado. Talvez o fato de ser um imigrante junto com minha famí­lia, sem poder dar-se ao luxo de ficar doente, tenha agido com tal forí§a no meu inconsciente que provocou uma reaí§í£o natural do organismo. Ou talvez fosse mesmo um milagre, o que iria absolutamente contra o que prega minha fé católica: daní§as ní£o curam.

Lembro-me que, na minha adolescíªncia, já que ní£o tinha a música que julgava adequada, costumava colocar um capuz preto na minha cabeí§a e imaginar que a realidade em torno de mim deixava de existir: meu espí­rito viajava para Diedov, com aquelas mulheres e homens, com meu aví´ e sua atriz tí£o amada. No silíªncio do quarto eu pedia que me ensinassem a daní§ar, ir além dos meus limites, porque em pouco tempo estaria paralisado para sempre. Quanto mais meu corpo se movia, mais a luz do meu coraí§í£o se mostrava, e mais eu aprendia “” talvez comigo mesmo, talvez com os fantasmas do passado. Cheguei mesmo a imaginar que música escutavam em seus rituais, e quando um amigo visitou a Sibéria, muitos anos mais tarde, pedi que me trouxesse alguns discos; para minha surpresa, um deles era muito parecido com o que julgava ser a daní§a de Diedov.

Melhor ní£o dizer nada a Athena “” ela era uma pessoa facilmente influenciada, e seu temperamento me parecia instável.

“” Talvez vocíª esteja agindo corretamente “” foi meu único comentário.

Tornamos a conversar mais uma vez, pouco antes de sua viagem ao Oriente Médio. Parecia contente, como se tivesse encontrado tudo que desejava: o amor.

“” As pessoas no meu trabalho criaram um grupo, e chamam a si mesmas “os peregrinos do Vértice”. Tudo graí§as ao seu aví´.

“” Graí§as a vocíª, que sentiu necessidade de dividir isso com os outros. Sei que está de partida, e quero lhe agradecer por ter dado outra dimensí£o í quilo que eu fiz durante anos, tentando difundir esta luz com alguns poucos interessados, mas sempre de maneira tí­mida, sempre achando que as pessoas iam achar ridí­cula toda esta história.

“” Sabe o que eu descobri? Que embora o íªxtase seja a capacidade de sair de si mesmo, a daní§a é uma maneira de subir ao espaí§o. Descobrir novas dimensíµes, e mesmo assim continuar em contato com seu corpo. Com a daní§a, o mundo espiritual e o mundo real conseguem conviver sem conflitos. Acho que os bailarinos clássicos ficam na ponta dos pés porque estí£o ao mesmo tempo tocando a terra e alcaní§ando os céus.

Que eu possa me lembrar, estas foram suas últimas palavras. Durante qualquer daní§a í  qual nos entregamos com alegria, o cérebro perde o seu poder de controle, e o coraí§í£o toma as rédeas do corpo. Só neste momento o Vértice aparece.

Desde que acreditemos nele, claro.

Próximo Capí­tulo: 13.09.06

Quinto Capí­tulo

Author: Paulo Coelho

Lukás Jessen-Petersen, treinta y dos años, ingeniero, ex marido

Athena ya sabí­a que habí­a sido adoptada por sus padres cuando la vi por primera vez. Tení­a diecinueve años y estaba a punto de empezar una pelea en la cafeterí­a de la universidad porque alguien, pensando que ella era de origen inglés (blanca, pelo liso, ojos a veces verdes, a veces grises), habí­a hecho un comentario desfavorable sobre Oriente Medio.

Era el primer dí­a de clase; la gente era nueva, nadie sabí­a nada de sus compañeros. Pero aquella chica se levantó, cogió a la otra por el cuello y empezó a gritar como una loca:

“”¡Racista!

Vi la mirada aterrorizada de la chica, la mirada excitada de los otros estudiantes, sedientos de ver lo que iba a pasar. Como le llevaba un año a aquella gente, pude prever inmediatamente las consecuencias: despacho del rector, quejas, posibilidad de expulsión, investigación policial sobre racismo, etc. Todos tení­an algo que perder.

“”¡Cállate! “”grité sin saber lo que decí­a.

No conocí­a a ninguna de las dos. No soy el salvador del mundo y, sinceramente, una pelea de vez en cuando es estimulante para los jóvenes. Pero el grito y la reacción fueron más fuertes que yo.

“”¡Ya basta! “”le grité de nuevo a la chica bonita, que agarraba a la otra, también bonita, por el cuello.

Me miró y me fulminó con los ojos. Y de repente, algo cambió. Ella sonrió, aunque todaví­a tuviera sus manos en la garganta de su compañera.

“”Has olvidado decir por favor.

Todo el mundo se rió.

“”Para “”le pedí­””. Por favor.

Ella soltó a la chica y echó a caminar hacia mí­. Todas las cabezas acompañaron su movimiento.

“”Tienes educación. ¿Tienes también un cigarrillo?

Le ofrecí­ la cajetilla y nos fuimos a fumar al campus. Habí­a pasado de la rabia completa a la relajación total, y minutos después se estaba riendo, hablando del tiempo, preguntándome si me gustaba este o aquel grupo de música. Oí­ la sirena que llamaba a clase y, solemnemente, ignoré aquello para lo que habí­a sido educado toda mi vida: mantener la disciplina. Seguí­ allí­ charlando, como si la universidad ya no existiese, ni las peleas, ni la cafeterí­a, ni el viento, ni el frí­o, ni el sol. Sólo existí­a aquella mujer de ojos grises, que decí­a cosas poco interesantes e inútiles, capaces de dejarme allí­ el resto de mi vida.

Dos horas después estábamos comiendo juntos. Siete horas después estábamos en un bar, cenando y bebiendo lo que nuestro presupuesto nos permití­a comer y beber. Las conversaciones se fueron haciendo cada vez más profundas, y al poco tiempo yo ya sabí­a prácticamente toda su vida: Athena contaba detalles de su infancia, de su adolescencia, sin que yo le hiciese ninguna pregunta. Más tarde supe que ella era así­ con todo el mundo; sin embargo, aquel dí­a, me sentí­ el más especial de todos los hombres sobre la faz de la tierra.

Habí­a llegado a Londres como refugiada de la guerra civil que habí­a estallado en el Lí­bano. Su padre, un cristiano maronita (N. R.: Rama de la Iglesia católica que, aunque está sometida a la autoridad del Vaticano, no exige el celibato de los sacerdotes y utiliza ritos orientales y ortodoxos), habí­a sido amenazado de muerte por trabajar con el gobierno, y aun así­ no se decidí­a a exiliarse, hasta que Athena oyó a escondidas una conversación telefónica, decidió que era hora de crecer, de asumir sus responsabilidades de hija, y de proteger a aquellos que tanto amaba.

Ensayó una especie de danza, fingió que estaba en trance (habí­a aprendido todo aquello en el colegio, cuando estudiaba la vida de los santos), y empezó a decir cosas. No sé cómo una niña puede hacer que los adultos tomen decisiones basadas en sus comentarios, pero Athena afirmó que habí­a sido exactamente así­, su padre era supersticioso, estaba absolutamente convencida de que habí­a salvado la vida de su familia.

Llegaron aquí­ como refugiados, pero no como mendigos. La comunidad libanesa está dispersa por todo el mundo, su padre encontró en seguida la manera de restablecer sus negocios, y la vida siguió. Athena pudo estudiar en buenos colegios, dio clases de baile “”que era su pasión”” y escogió la Facultad de Ingenierí­a en cuanto terminó sus estudios secundarios.

Ya en Londres, sus padres la invitaron a cenar en uno de los restaurantes más caros de la ciudad, y le contaron, lo más delicadamente posible, que era adoptada. Ella fingió sorpresa, los abrazó, y les dijo que nada iba a cambiar la relación que habí­a entre ellos.

Pero, en realidad, algún amigo de la familia, en un momento de odio, ya le habí­a dicho «huérfana ingrata, ni siquiera eres hija natural, y no sabes cómo comportarte». Ella le lanzó un cenicero que le dio en la cara, lloró a escondidas durante dos dí­as, pero pronto lo asumió. A ese pariente le quedó una cicatriz en la cara que no podí­a explicarle a nadie, y empezó a decir que lo habí­an agredido unos asaltantes en la calle.

La invité a salir al dí­a siguiente. De manera absolutamente directa, me dijo que era virgen, que iba a misa todos los domingos, y que no le interesaban los romances; le interesaba mucho más leer todo lo que podí­a sobre la situación en Oriente Medio.

En fin, estaba ocupada. Ocupadí­sima.

“”La gente cree que el único sueño de una mujer es casarse y tener hijos. Y, por todo lo que te he contado, debes creer que he sufrido mucho en la vida. No es verdad, y ya me conozco esa historia, ya se me han acercado otros hombres con la excusa de «protegerme» de las tragedias.

»Olvidan que, desde la Grecia más antigua, la gente que regresaba de los combates o bien vení­a muerta sobre su escudo, o los más fuertes, sobre sus cicatrices. Mejor así­: estoy en el campo de batalla desde que nací­, sigo viva, y no necesito que nadie me proteja.

Hizo una pausa.

“”¿Ves cómo soy culta?

“”Muy culta, pero cuando atacas a alguien más débil que tú, estás insinuando que realmente necesitas protección. Podrí­as haber arruinado tu carrera universitaria en aquel momento.

“”Tienes razón. Acepto la invitación.

A partir de ese dí­a empezamos a salir con regularidad, y cuanto más cerca estaba de ella, más descubrí­a mi propia luz. Porque me estimulaba para dar siempre lo mejor de mí­ mismo. Jamás habí­a leí­do ningún libro de magia ni de esoterismo: decí­a que eran cosas del demonio, que la única salvación estaba en Jesús y punto. De vez en cuando, insinuaba cosas que no parecí­an estar de acuerdo con las enseñanzas de la Iglesia:

“”Cristo estaba rodeado de mendigos, prostitutas, recaudadores de impuestos, pescadores. Creo que con eso querí­a decir que la chispa divina está en el alma de todos, que jamás se extingue. Cuando me quedo quieta, o cuando estoy muy alterada, siento que vibro con el universo entero. Y empiezo a conocer cosas que no conozco, como si fuese el propio Dios el que guí­a mis pasos. Hay momentos en los que siento que todo me está siendo revelado.

Y luego se corregí­a:

“”Es un error.

Athena viví­a siempre entre dos mundos: el que sentí­a como verdadero y el que le era enseñado a través de su fe.
Un dí­a, después de casi un semestre de ecuaciones, cálculos y estudios de estructura, dijo que iba a abandonar la facultad.

“”¡Pero no me lo habí­as comentado!

“”Tení­a miedo incluso de hablar de este asunto conmigo misma. Sin embargo, hoy he ido a la peluquerí­a; la peluquera trabajó noche y dí­a para que su hija pudiese acabar la carrera de sociologí­a. Su hija logró acabar la facultad, y después de llamar a muchas puertas, consiguió un empleo como secretaria de una firma de cemento. Aun así­, mi peluquera repetí­a hoy, muy orgullosa: «Mi hija tiene un tí­tulo».

La mayorí­a de los amigos de mis padres, y de los hijos de los amigos de mis padres, tienen un tí­tulo. Eso no significa que hayan conseguido trabajar en lo que querí­an. Todo lo contrario, entraron y salieron de la universidad porque alguien, en una época en la que las universidades parecen importantes, dijo que una persona, para mejorar en la vida, necesitaba tener un tí­tulo. Y el mundo deja de tener excelentes jardineros, panaderos, anticuarios, albañiles, escritores.

Le pedí­ que lo pensase un poco más, antes de tomar una decisión tan radical. Pero ella citó los versos de Robert Frost:

“En un bosque se bifurcaron dos caminos y yo…, yo tomé el menos transitado. Esto marcó toda la diferencia.”

Al dí­a siguiente, no apareció por clase. Cuando volví­ a verla le pregunté qué iba a hacer.

“”Casarme. Y tener un hijo.

No era un ultimátum. Yo tení­a veinte años, ella diecinueve, y pensaba que todaví­a era muy pronto para cualquier compromiso de esa naturaleza.

Pero Athena hablaba muy en serio. Y yo tení­a que escoger entre perder la única cosa que realmente ocupaba mi pensamiento “”el amor por aquella mujer”” o perder mi libertad y todas las posibilidades que el futuro me prometí­a.

Honestamente, la decisión no me resultó ni un poquito difí­cil.

Próximo Capí­tulo: 13.09.06

Quarto Capí­tulo

Author: Paulo Coelho

Lella Zainab, sesenta y cuatro años, numeróloga

¿Athena? ¡Qué nombre tan interesante! Vamos a ver… tu número Máximo es el nueve. Optimista, social, capaz de hacerse notar en medio de una multitud. La gente se acerca a ella en busca de comprensión, compasión, generosidad, y precisamente por eso tiene que estar muy atenta, porque la tendencia a la popularidad puede subí­rsele a la cabeza y acabar perdiendo más de lo que gana. También debe tener cuidado con la lengua, pues tiende a hablar más que lo que aconseja el buen juicio.

En cuanto a tu número Mí­nimo: el once. Creo que anhela un puesto de directiva. Interés por los temas mí­sticos; a través de ellos intenta aportar armoní­a a todos los que están a su alrededor.

Pero eso entra directamente en confrontación con el número Nueve, que es la suma del dí­a, el mes y el año de su nacimiento, reducidos a un único algoritmo: estará siempre sujeta a la envidia, la tristeza, la introversión y las decisiones temperamentales. Cuidado con las siguientes vibraciones negativas: ambición excesiva, intolerancia, abuso de poder, extravagancia.

A causa de este conflicto, le sugiero que se dedique a algo que no implique un contacto emocional con la gente, en el sector de la informática o la ingenierí­a, por ejemplo. ¿Está muerta?

Disculpe. ¿Qué hací­a?

¿Qué hací­a Athena? Athena hizo un poco de todo, pero si tuviera que resumir su vida, dirí­a que era una sacerdotisa que comprendí­a las fuerzas de la naturaleza. Mejor dicho, era alguien que, por el simple hecho de no tener mucho que perder ni que esperar de la vida, se arriesgó más que los demás, y acabó convirtiéndose en las f uerzas que creí­a dominar.

Trabajó en un supermercado, fue empleada de banca, agente inmobiliaria, y en cada uno de estos puestos jamás dejó de manifestarse la sacerdotisa que llevaba dentro. Conviví­ con ella durante ocho años, y le debí­a esto: recuperar su memoria, su identidad.

Lo más difí­cil al recoger estas declaraciones f ue convencer a la gente para que me permitiesen utilizar sus nombres verdaderos. Algunos alegaron que no querí­an verse envueltos en este tipo de historias, otros intentaban esconder sus opiniones y sus sentimientos. Les expliqué que mi verdadera intención era hacer que todos los implicados la entendiesen mejor, y que nadie iba a creer en declaraciones anónimas.

Como cada uno de los entrevistados se creí­a en posesión de la única y definitiva versión de cualquier suceso, por más insignificante que éste fuese, acabaron aceptando. En el transcurso de las grabaciones, comprendí­ que las cosas no son absolutas; existen en función de la percepción de cada uno. Y muchas veces, la mejor manera de saber quiénes somos es intentar saber cómo nos ven los demás.

Eso no quiere decir que vayamos a hacer lo que esperan, pero al menos nos comprendemos mejor. Yo le debí­a eso a Athena. Recuperar su historia. Escribir su mito.

Samira R. Khalil, cincuenta y siete años, ama de casa, madre de Athena

No la llames Athena, por favor. Su verdadero nombre es Sherine. ¡Sherine Khalil, hija muy querida, muy deseada, que tanto yo como mi marido querrí­amos haber tenido por nosotros mismos!

Pero la vida tení­a otros planes; cuando la generosidad del destino es muy grande, siempre hay un pozo en el que pueden caer todos los sueños.

Viví­amos en Beirut, en la época en la que todo el mundo la consideraba como la ciudad más bella de Oriente Medio. Mi marido era un empresario de éxito, nos casamos por amor, viajábamos a Europa todos los años, tení­amos amigos, nos invitaban a todos los acontecimientos sociales importantes, y una vez llegué a recibir en mi casa a un presidente de Estados Unidos, ¡imagí­nate! Fueron tres dí­as inolvidables: dos de ellos, en los que el servicio secreto americano examinó minuciosamente cada rincón de nuestra casa (ya estaban en el barrio desde hací­a más de un mes, ocupando todas las posiciones estratégicas, alquilando apartamentos, disfrazándose de mendigos o de parejas de enamorados); y un dí­a, mejor dicho, dos horas de fiesta. Jamás se me olvidará la envidia en los ojos de nuestros amigos, ni la alegrí­a de poder fotografiarnos con el hombre más poderoso del planeta.

Lo tení­amos todo, menos aquello que más deseábamos: un hijo. Así­ que no tení­amos nada.

Lo intentamos de todas las maneras, hicimos promesas, fuimos a sitios en los que nos garantizaban un milagro, consultamos a médicos, curanderos, tomamos remedios y bebimos elixires y pociones mágicas. Dos veces me hice la inseminación artificial, pero perdí­ el bebé. La segunda, perdí­ también mi ovario izquierdo, y no volví­ a encontrar a otro médico que quisiera arriesgarse en una nueva aventura de ese tipo.

Hasta que uno de los muchos amigos que conocí­a nuestra situación sugirió la única salida posible: adoptar a un niño. Dijo que tení­a contactos en Rumania, y que el procedimiento no se iba a prolongar mucho.

Un mes después cogimos un avión; nuestro amigo tení­a negocios importantes con el dictador que gobernaba el paí­s en esa época, y del que no recuerdo el nombre (N. R.: Nicolai Ceausescu), de modo que pudimos evitar todos los trámites burocráticos y fuimos a dar a un centro de adopción de Sibiu, en Transilvania. Allí­, ya nos estaban esperando con café, cigarrillos, agua mineral, y todo el papeleo preparado, sólo tení­amos que escoger al niño.

Nos condujeron a una estancia en la que hací­a mucho frí­o, y me pregunté cómo podí­an tener a aquellas pobres criaturas en aquella situación. Mi primer instinto fue adoptarlas a todas, llevarlas a nuestro paí­s, en el que habí­a sol y libertad, pero por supuesto era una idea descabellada. Paseamos entre las cunas, oyendo llantos, aterrorizados por la decisión que tení­amos que tomar.

Durante más de una hora, ni yo ni mi marido intercambiamos palabra alguna. Salimos, tomamos café, fumamos, volvimos, y esto se repitió varias veces. Noté que la mujer encargada de la adopción empezaba a impacientarse, tení­a que decidirme pronto; en ese momento, siguiendo un instinto que me atreverí­a a llamar maternal, como si hubiese encontrado a un hijo que tení­a que ser mí­o en esta encarnación pero que habí­a llegado a este mundo a través de otro vientre, señalé a una niña.

La encargada sugirió que lo pensásemos mejor. ¡Ella, que parecí­a tan impaciente con nuestra demora! Pero yo ya me habí­a decidido.

Aun así­, con todo el cuidado, intentando no herir mis sentimientos (ella pensaba que tení­amos contactos con las más altas esferas del gobierno rumano), me susurró de manera que mi marido no oyese:

“”Sé que no saldrá bien. Es la hija de una gitana.

Le respondí­ que una cultura no se puede transmitir a través de los genes; la niña, que no tení­a más que tres meses, serí­a mi hija y la de mi marido, educada según nuestras costumbres. Conocerí­a la iglesia que frecuentábamos, las playas a las que í­bamos a pasear, leerí­a sus libros en francés, estudiarí­a en la Escuela Americana de Beirut. Por lo demás, no tení­a ninguna información “”y sigo sin tenerla”” sobre la cultura gitana. Sólo sé que viajan, que no siempre se duchan, que engañan a los demás y que llevan un pendiente en la oreja. Cuenta la leyenda que acostumbran a raptar niños para llevarlos en sus caravanas, pero allí­ estaba sucediendo exactamente lo contrario: habí­an dejado atrás a una niña, para que yo me encargase de ella.

La mujer todaví­a intentó disuadirme, pero yo ya estaba firmando los papeles, y pidiéndole a mi marido que hiciese lo mismo. De regreso a Beirut, el mundo parecí­a diferente: Dios me habí­a dado una razón para existir, para trabajar, para luchar en este valle de lágrimas. Ahora tení­amos una niña para justificar todos nuestros esfuerzos.

Sherine creció en sabidurí­a y belleza (creo que todos los padres dicen lo mismo, pero pienso que era una niña realmente excepcional). Una tarde, cuando ella ya tení­a cinco años, uno de mis hermanos me dijo que, si ella querí­a trabajar fuera, su nombre siempre delatarí­a su origen, y sugirió que lo cambiásemos por uno que no dijese absolutamente nada, como Athena. Claro que hoy sé que Athena no es solamente un nombre parecido a la capital de un paí­s, sino también la diosa de la sabidurí­a, de la inteligencia y de la guerra.

Y posiblemente mi hermano no sólo supiese esto, sino que era consciente de los problemas que un nombre árabe podrí­a causarle en el futuro (estaba metido en polí­tica, como toda nuestra familia, y querí­a proteger a su sobrina de las nubes negras que él, sólo él, podí­a divisar en el horizonte). Lo más sorprendente es que a Sherine le gustó el sonido de la palabra. En una sola tarde empezó a referirse a sí­ misma como Athena, y ya nadie pudo quitárselo de la cabeza. Para contentarla, adoptamos también ese sobrenombre, pensando que pronto se olvidarí­a del tema.

¿Podrá un nombre afectar a la vida de una persona? Porque el tiempo pasó, el sobrenombre resistió, y acabamos adaptándonos a él.

A los doce años, descubrimos que tení­a una cierta vocación religiosa: viví­a en la iglesia, se sabí­a los evangelios de memoria, lo cual era al mismo tiempo una bendición y una maldición. En un mundo que empezaba a estar cada vez más dividido por las creencias religiosas, yo temí­a por la seguridad de mi hija. A esas alturas, Sherine ya empezaba a decirnos, como si fuese lo más normal del mundo, que tení­a una serie de amigos invisibles, ángeles y santos cuyas imágenes solí­a ver en la iglesia que frecuentábamos. Está claro que todos los niños del mundo tienen visiones, aunque es raro que se acuerden una vez pasada una determinada edad. También suelen darles vida a las cosas inanimadas, como las muñecas o los osos de peluche. Pero empecé a creer que estaba exagerando cuando un dí­a fui a buscarla al colegio y me dijo que habí­a visto a «una mujer vestida de blanco, parecida a la Virgen Marí­a».

Creo en los ángeles, claro. Creo incluso que los ángeles hablan con los niños pequeños, pero cuando las apariciones son de gente adulta, las cosas cambian. Conozco algunas historias de pastores y de gente del campo que afirman haber visto a una mujer de blanco, lo que ha acabado destruyendo sus vidas, ya que la gente los busca para hacer milagros, los curas se preocupan, las aldeas se convierten en centros de peregrinación, y los pobres niños acaban su vida en un convento. Así­ que me quedé muy preocupada con esta historia; a su edad deberí­a haber estado más interesada por los estuches de maquillaje, por pintarse las uñas, ver telenovelas románticas o programas infantiles en la tele. Algo iba mal con mi hija y fui a ver a un especialista.

“”Relájese “”dijo.

Para el pediatra especializado en psicologí­a infantil, como para la mayorí­a de los médicos que tratan estos temas, los amigos invisibles son una especie de proyección de los sueños, que ayudan al niño a descubrir sus deseos, expresar sus sentimientos, encontrarse consigo mismos, de una manera inofensiva.

“”¿Pero una mujer de blanco?

Me respondió que tal vez, Sherine no comprendí­a nuestra manera de ver o de explicar el mundo. Sugirió que, poco a poco, empezásemos a preparar el terreno para decirle que habí­a sido adoptada. En el lenguaje del especialista, lo peor que podí­a ocurrir es que se enterase por sí­ misma, pues empezarí­a a dudar de todo el mundo. Su comportamiento podrí­a volverse imprevisible.

A partir de ese momento, cambiamos nuestra manera de dialogar con ella. No sé si el ser humano puede recordar cosas que le ocurrieron cuando todaví­a era bebé, pero intentamos demostrarle cuánto la querí­amos, y que ya no tení­a que refugiarse en un mundo imaginario. Tení­a que entender que su universo visible era lo más hermoso, que sus padres la iban a proteger de cualquier peligro, Beirut era bonita, las playas siempre estaban llenas de sol y de gente. Sin enfrentarme directamente con esa «mujer», empecé a pasar más tiempo con mi hija, invité a sus amigos del colegio a que frecuentasen la casa, no perdí­a ni una sola oportunidad para demostrarle todo nuestro cariño.

La estrategia dio resultado. Mi marido viajaba mucho, Sherine lo echaba de menos, y en nombre del amor decidió cambiar su estilo de vida. Las conversaciones solitarias empezaron a ser sustituidas por juegos entre padre, madre e hija.

Todo iba bien hasta que una noche ella vino llorando a mi habitación, diciendo que tení­a miedo, que el infierno estaba cerca. Yo estaba sola en casa; mi marido, una vez más, habí­a tenido que ausentarse, y pensé que ésa era la razón de su desesperación. ¿Pero infierno? ¿Qué le estaban enseñando en el cole o en la iglesia? Decidí­ que al dí­a siguiente irí­a a hablar con la profesora. Sherine, sin embargo, no dejaba de llorar. La llevé hasta la ventana, le enseñé el Mediterráneo, allá fuera, iluminado por la luna llena. Le dije que no habí­a demonios, sino estrellas en el cielo y gente caminando por el bulevar de delante de nuestro apartamento. Le expliqué que no debí­a tener miedo, que estuviese tranquila, pero ella seguí­a llorando y temblando. Después de casi media hora intentando calmarla, empecé a ponerme nerviosa. Le pedí­ que dejase de comportarse de aquella manera, que ya no era una niña. Imaginé que tal vez hubiese tenido su primera menstruación; discretamente, le pregunté si sangraba.

“”Mucho.

Cogí­ un poco de algodón, le pedí­ que se acostase para poder tratarle la «herida». No era nada, mañana se lo explicarí­a. Sin embargo, no le habí­a llegado la menstruación. Todaví­a lloró un poco, pero debí­a de estar cansada, porque se durmió en seguida.

Y al dí­a siguiente por la mañana, corrió la sangre.

Cuatro hombres fueron asesinados. Para mí­, no era más que una de las eternas batallas tribales a las que mi pueblo estaba acostumbrado. Para Sherine, no debí­a de ser nada, porque ni siquiera mencionó su pesadilla de la noche anterior.

Sin embargo, a partir de esa fecha, el infierno fue llegando, y hasta hoy no se ha vuelto a marchar. El mismo dí­a, veintiséis palestinos murieron en un autobús, como venganza por el asesinato. Veinticuatro horas después, ya no se podí­a andar por las calles, por culpa de los tiros que salí­an de todas partes. Cerraron los colegios. A Sherine la trajo a casa una de sus profesoras a toda prisa y, a partir de ahí­, todos perdieron el control de la situación. Mi marido interrumpió su viaje y volvió a casa; se pasó dí­as enteros llamando a sus amigos del gobierno, pero nadie le decí­a nada que tuviera sentido. Sherine oí­a los tiros allá fuera, los gritos de mi marido dentro de casa y, para mi sorpresa, no decí­a ni una palabra. Yo siempre intentaba decirle que era pasajero, que pronto podrí­amos volver a la playa, pero ella desviaba los ojos y me pedí­a algún libro para leer, o un disco para escuchar. Mientras el infierno iba instalándose poco a poco, Sherine leí­a y escuchaba música.

Perdone, pero no quiero pensar demasiado en eso. No quiero pensar en las amenazas que recibimos, en quién tení­a la razón, en quiénes eran los culpables y los inocentes. El hecho es que, pocos meses después, quien querí­a cruzar una determinada calle tení­a que coger un barco, ir hasta la isla de Chipre, coger otro barco y desembarcar en el otro lado de la calzada.

Permanecimos dentro de casa prácticamente durante casi un año, siempre esperando que la situación mejorase, siempre pensando que todo aquello era pasajero, que el gobierno controlarí­a la situación. Una mañana, mientras escuchaba música en su pequeño reproductor portátil, Sherine ensayó unos cuantos pasos de baile, y empezó a decir cosas como «durará mucho, mucho tiempo».

Quise interrumpirla, pero mi marido me cogió del brazo: le estaba prestando atención, y tomándose en serio las palabras de una niña. Nunca entendí­ por qué, y hasta el dí­a de hoy no hemos comentado el tema; es un asunto tabú entre nosotros.

Al dí­a siguiente, inesperadamente, él empezó a hacer preparativos; al cabo de dos semanas estábamos embarcando hacia Londres. Más tarde nos enteramos de que, aunque no haya estadí­sticas concretas al respecto, en esos dos años de guerra civil (N. R.: 1974 y 1975) murieron alrededor de cuarenta y cuatro mil personas, hubo ciento ochenta mil heridos, miles de refugiados. Los combates continuaron por otras razones, el paí­s fue ocupado por fuerzas extranjeras, y el infierno sigue todaví­a hoy.

«Durará mucho tiempo», decí­a Sherine. Dios mí­o, por desgracia tení­a razón.

Próximo capí­tulo: 08.09.06

Subscribe to Blog

Join 16.9K other subscribers

Stories & Reflections

Social

Paulo Coelho Foundation

Gifts, keepsakes and other souvenirs

Souvenirs