Paulo Coelho

Stories & Reflections

Edií§í£o nº 155 : O Bom Combate

Author: Paulo Coelho

“Combati o bom combate, e mantive a f锝, diz Paulo em uma de suas epí­stolas. E seria bom relembrar o tema, quando um novo ano se estende diante de nós.
O homem nunca pode parar de sonhar. O sonho é o alimento da alma, como a comida é o alimento do corpo. Muitas vezes, em nossa existíªncia, vemos nossos sonhos desfeitos e nossos desejos frustrados, mas é preciso continuar sonhando, sení£o nossa alma morre e ígape ní£o penetra nela. ígape é o amor universal, aquele que é maior e mais importante do que “gostar” de alguém. Em seu famoso sermí£o sobre os sonhos, Martin Luther King lembra o fato de que Jesus nos pediu para amar nossos inimigos, e ní£o para gostar deles. Este amor maior é o que nos dá impulso para continuar lutando apesar de tudo, manter a fé, a alegria, e combater o Bom Combate.
O Bom Combate é aquele que é travado porque o nosso coraí§í£o pede. Nas épocas heróicas, quando apóstolos saí­am pelo mundo pregando o evangelho, ou no tempo dos cavaleiros andantes, isto era mais fácil: havia muita terra por onde caminhar, e muita coisa para fazer. Hoje em dia, porém, o mundo mudou, e o Bom Combate foi transportado dos campos de batalha para dentro de nós mesmos.
O Bom Combate é aquele que é travado em nome de nossos sonhos. Quando eles explodem em nós com todo o seu vigor – na juventude – nós temos muita coragem, mas ainda ní£o aprendemos a lutar. Depois de muito esforí§o, terminamos aprendendo a lutar, e entí£o já ní£o temos a mesma coragem para combater. Por causa disto, nos voltamos contra nós e combatemos a nós mesmos, e passamos a ser nosso pior inimigo. Dizemos que nossos sonhos eram infantis, difí­ceis de realizar, ou fruto de nosso desconhecimento das realidades da vida. Matamos nossos sonhos porque temos medo de combater o Bom Combate.
O primeiro sintoma de que estamos matando nossos sonhos é a falta de tempo. As pessoas mais ocupadas que conheci na minha vida sempre tinham tempo para tudo. As que nada faziam estavam sempre cansadas ní£o davam conta do pouco trabalho que precisavam realizar, e se queixavam constantemente que o dia era curto demais. Na verdade, elas tinham medo de combater o Bom Combate.
O segundo sintoma da morte de nossos sonhos sí£o nossas certezas. Porque ní£o queremos olhar a vida como uma grande aventura a ser vivida, passamos a nos julgar sábios, justos e corretos no pouco que pedimos da existíªncia. Olhamos para além das muralhas do nosso dia-dia e ouvimos o ruí­do de laní§as que se quebram, o cheiro de suor e de pólvora, as grandes quedas e os olhares sedentos de conquista dos guerreiros. Mas nunca percebemos a alegria, a imensa Alegria que está no coraí§í£o de quem está lutando, porque para estes ní£o importa nem a vitória nem a derrota, importa apenas combater o Bom Combate.
Finalmente, o terceiro sintoma da morte de nossos sonhos é a  Paz. A vida passa a ser uma tarde de domingo, sem nos pedir grandes coisas, e sem exigir mais do que queremos dar. Achamos entí£o que estamos “maduros”, deixamos de lado as “fantasias da infí¢ncia”, e conseguimos nossa realizaí§í£o pessoal e profissional. Ficamos surpresos quando alguém de nossa idade diz que quer ainda isto ou aquilo da vida. Mas no í­ntimo de nosso coraí§í£o, sabemos que o que aconteceu foi que renunciamos í  luta por nossos sonhos, a combater o Bom Combate.
Quando renunciamos aos nossos sonhos e encontramos a paz, temos um perí­odo de tranqüilidade. Mas os sonhos mortos comeí§am a apodrecer dentro de nós, e infestar todo o ambiente em que vivemos. Comeí§amos a nos tornar cruéis com aqueles que nos cercam, e finalmente passamos a dirigir esta crueldade contra nós mesmos. Surgem as doení§as e as psicoses. O que querí­amos evitar no combate – a decepí§í£o e a derrota – passa a ser o único legado de nossa covardia. E um belo dia, os sonhos mortos e apodrecidos tornam o ar difí­cil de respirar e passamos a desejar a morte, a morte que nos livrasse de nossas certezas, de nossas ocupaí§íµes, e daquela terrí­vel paz das tardes de domingo.
Portanto, para evitar isso, vamos encarar a vida com a reveríªncia do mistério e a alegria da aventura.

Aprendendo com as coisas simples

No Bragavad-Gita, o guerreiro Arjuna pergunta ao Senhor Ilumi­nado:
“Quem és?”
Ao invés de responder “sou isso”, Khrisna comeí§a a falar das pequenas e grandes coisas do mundo – e dizer que ele está ali. Arjuna passa a ver a face de Deus em tudo que o cerca.
Entretanto, embora criados a imagem e semelhaní§a do Altí­ssimo, passamos a vida inteira tentando nos fechar num bloco de coeríªncias, certezas, opiniíµes. Ní£o entendemos que estamos nas flores, nas montanhas, nas coisas que vemos em nosso caminho diário até o trabalho. Raramente pensamos que viemos de um mistério – o nascimento – e caminhamos para outro mistério – a morte.
Se refletirmos sobre isso, se entendermos que a presení§a Divina e a sabedoria universal estí£o em tudo que nos cerca, teremos muito mais liberdade em nossas aí§íµes. A seguir, algumas histórias a respeito:

O filósofo e o barqueiro

A tradií§í£o sufi conta a história de um filósofo que cruzava um rio em um barco.  Durante a travessia, procurava mostrar sua sabedoria ao barqueiro.
– Vocíª ní£o sabe a grande contribuií§í£o que Shopenhauer legou í  humanidade?
– Ní£o – respondeu o barqueiro. – Mas conheí§o Deus, o rio, e a sabedoria simples do meu povo.
– Pois saiba que perdeu metade de sua vida!
No meio do rio, o barco bateu numa pedra, e naufragou. O bar­queiro nadava para uma das margens, quando viu o filósofo se afo­gando.
– Ní£o sei nadar! – gritava desesperado. – Eu lhe disse que havia perdido metade de sua vida por ní£o conhecer Shopenhauer, e agora perco a minha vida inteira por ní£o saber algo tí£o simples!

Shopenhauer, enquanto isso…

O filósofo alemí£o Shopenhauer (1788-1860) caminhava por uma rua de Dresden, procurando  respostas para questíµes que o angustia­vam. De repente, viu um jardim, e resolveu ficar horas  seguidas contemplando as flores.
Um dos vizinhos notou o comportamento estranho daquele homem, e foi procurar um policial. Minutos depois, um  policial se aproximava.
– Quem é o senhor? –  perguntou o policial, com voz dura.
Shopenhauer olhou de alto a baixo o homem a sua frente.
– É isso que estou querendo saber enquanto olho as flores. Se o senhor souber responder esta pergunta, eu lhe serei eternamente grato.

E enquanto caminha…

Enquanto passeava por um campo, um homem viu um espantalho.
– Deves estar cansado de permanecer aí­, neste campo solitário, sem nada para fazer – comentou.
O espantalho respondeu:
– O prazer de afastar o perigo é muito grande, e eu jamais me canso de fazer isto.
– Sim, eu também tenho agido desta maneira, com bons resultados – concordou o homem.
– Mas só vivem espantando as coisas aqueles que estí£o cheios de palha por dentro – disse o espantalho.
O homem demorou uns anos para entender a resposta: o que tem carne e sangue em seu corpo precisa aceitar algumas coisas que ní£o  estava esperando. Mas quem ní£o tem nada dentro, vive afastando tudo que se aproxima – e nem mesmo as bíªní§í£os de Deus conseguem chegar perto.

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