Paulo Coelho

Stories & Reflections

Segundo Capí­tulo

Author: Paulo Coelho

Andrea McCain, 32 anos, atriz de teatro

“Ninguém pode manipular ninguém. Em uma relaí§í£o, os dois sabem o que estí£o fazendo, mesmo que um deles venha depois queixar-se que foi usado.”

Isso Athena dizia “” mas agia de maneira oposta, porque fui usada e manipulada sem qualquer consideraí§í£o pelos meus sentimentos. A coisa fica ainda mais séria quando estamos falando de magia; afinal de contas era minha mestra, encarregada de transmitir os mistérios sagrados, despertar da forí§a desconhecida que todos nós possuí­mos. Quando nos aventuramos neste mar desconhecido, confiamos cegamente naqueles que nos guiam “” acreditando que sabem mais que nós.

Pois eu posso garantir: ní£o sabem. Nem Athena, nem Edda, nem as pessoas que terminei conhecendo por causa delas. Ela me dizia que estava aprendendo í  medida que ensinava, e embora eu no iní­cio me recusasse a acreditar, pude mais tarde me convencer que talvez pudesse ser verdade, terminei descobrindo que era mais uma de suas muitas maneiras de fazer com que abaixássemos nossas guardas, e nos entregássemos ao seu encanto.

As pessoas que estí£o na busca espiritual ní£o pensam: querem resultados. Querem sentir-se poderosas, longe das massas aní´nimas. Querem ser especiais. Athena brincava com sentimentos alheios de maneira aterradora.

Me parece que, em seu passado, teve uma profunda admiraí§í£o por Santa Teresa de Lisieux. A religií£o católica ní£o me interessa, mas, pelo que ouvi, Teresa tinha uma espécie de comunhí£o mí­stica e fí­sica com Deus. Athena mencionou certa vez que gostaria que seu destino fosse parecido com o dela: neste caso devia ter entrado para um convento, dedicado sua vida í  contemplaí§í£o ou ao servií§o dos pobres. Seria muito mais útil ao mundo, e muito menos perigoso que induzir pessoas, através de músicas e de rituais, a uma espécie de intoxicaí§í£o onde podemos entrar em contato com o melhor, mas também com o pior de nós mesmos.

Eu a procurei em busca de uma resposta para o sentido da minha vida “” embora tivesse dissimulado isso em nosso primeiro encontro. Devia ter percebido desde o iní­cio que Athena ní£o estava muito interessada nisso; queria viver, daní§ar, fazer amor, viajar, reunir gente a sua volta para mostrar como era sábia, exibir seus dons, provocar os vizinhos, aproveitar tudo que temos de mais profano “” mesmo que procurasse dar um verniz espiritual í  sua busca.

Cada vez que nos encontrávamos, para cerimí´nias mágicas ou para ir a um bar, eu sentia seu poder. Era quase capaz de tocá-lo, de tí£o forte que se manifestava. No iní­cio fiquei fascinada, queria ser como ela. Mas um dia, em um bar, ela comeí§ou a comentar sobre o “Terceiro Rito”, que envolve a sexualidade. Fez isso na frente do meu namorado. Seu pretexto era ensinar-me. Seu objetivo, na minha opinií£o, era seduzir o homem que amava.

E, claro, terminou conseguindo.

Ní£o é bom falar mal de pessoas que passaram desta vida para o plano astral. Athena ní£o terá que prestar contas a mim, mas a todas aquelas forí§as que, em vez de canalizar para o bem da humanidade e para sua própria elevaí§í£o espiritual, usou apenas em benefí­cio próprio.

E o que é pior: tudo que comeí§amos juntos podia ter dado certo, se ní£o fosse sua compulsí£o para o exibicionismo. Bastava ter agido de maneira mais discreta, e hoje estarí­amos cumprindo juntas a missí£o que nos foi confiada. Mas ní£o conseguia controlar-se, julgava-se dona da verdade, capaz de ultrapassar todas as barreiras usando apenas seu poder de seduí§í£o.

Qual foi o resultado? Eu fiquei sozinha. E ní£o posso mais abandonar o trabalho no meio “” terei que ir até o final, embora me sinta í s vezes fraca, e quase sempre desanimada.

Ní£o me surpreende que sua vida tenha terminado desta maneira: ela vivia flertando com o perigo. Dizem que as pessoas extrovertidas sí£o mais infelizes que as introvertidas, e precisam compensar isso mostrando a si mesmas que estí£o contentes, alegres, de bem com a vida; pelo menos no caso dela, este comentário é absolutamente correto.

Athena era consciente do seu carisma, e fez sofrer todos aqueles que a amaram.

Inclusive eu.

Próximo capí­tulo: 30.07.06

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