Paulo Coelho

Stories & Reflections

Edií§í£o nº 197 – A rotina da modelo

Author: Paulo Coelho

Para escrever o livro “O Vencedor está só”, cujo tema central é o culto das celebridades, precisei fazer uma interessante pesquisa sobre a rotina daquelas que habitam o imaginário coletivo: a modelo fotográfica. Por mais diferentes que sejam, existe um invariável padrí£o de comportamento que reproduzo aqui:

A] antes de dormir, usam vários cremes para limpar os poros e conservar a pele hidratada – viciando desde cedo o organismo í  dependíªncia de elementos externos.Acordam, tomam uma xí­cara de café preto sem aí§úcar, acompanhada de frutas com fibras – de modo que os alimentos que ví£o ingerir durante o dia passem rapidamente pelos intestinos. Sobem na balaní§a tríªs a quatro vezes por dia; entram em depressí£o por causa de cada grama a mais que o ponteiro acusa.

B] Todas estí£o conscientes de que em breve serí£o ultrapassadas por novos rostos, novas tendíªncias, e precisam urgentemente mostrar que o talento vai além das passarelas. Vivem pedindo í s suas agíªncias que consigam um teste, de modo que possam mostrar que sí£o capazes de trabalhar como atrizes – o grande sonho.

C] Ao contrário do que diz a lenda, pagam suas despesas – passagem, hotel, e as saladas de sempre. Sí£o convocadas pelos assistentes de estilistas para fazer o que chamam de casting, a seleí§í£o das que serí£o escolhidas para enfrentar a passarela ou a sessí£o de fotos. Neste momento, estí£o diante de pessoas invariavelmente mal-humoradas que usam o pouco de poder que tíªm para extravasar as frustraí§íµes diárias, e jamais dizem uma palavra gentil ou encorajadora: “horrí­vel” é geralmente o comentário mais escutado.

D] Seus pais se orgulham da filha que comeí§ou tí£o bem, e se arrependem de terem comentado que eram contra aquela carreira – afinal de contas, estí£o ganhando dinheiro e ajudando a famí­lia. Seus namorados tíªm crises de ciúmes, mas se controlam, porque faz bem ao ego estar com uma profissional da moda. Suas amigas as invejam secreta ou abertamente.

E] Freqüentam todas as festas para as quais sí£o chamadas, e se comportam como se fossem muito mais importantes do que sí£o, um sintoma de inseguraní§a. Ali estí£o sempre com um copo de champanhe nas mí£os, mas isso é apenas parte da imagem que desejam passar. Sabem que o álcool tem elementos que pode afetar o peso, de modo que a bebida preferida é água mineral sem gás – o gás, embora ní£o afete o peso, tem conseqüíªncias imediatas sobre o contorno do estí´mago.

G] Dormem mal por causa dos comprimidos. Escutam histórias sobre anorexia – a doení§a mais comum no meio, uma espécie de distúrbio nervoso causado pela obsessí£o com o peso e com a aparíªncia, que termina educando o organismo a rejeitar qualquer tipo de alimento. Dizem que isso ní£o acontecerá com elas. Mas nunca notam quando os primeiros sintomas se instalam.

H] Saí­ram da infí¢ncia diretamente para o mundo do luxo e glamour, sem passarem pela adolescíªncia e juventude. Quando lhes perguntam quais os planos para o futuro, tíªm sempre a resposta na ponta da lí­ngua: “faculdade de filosofia. Estou aqui apenas para poder pagar meus estudos”.Sabem que ní£o é verdade. Ní£o podem se dar ao luxo de freqüentar uma escola: há sempre um teste pela manhí£, uma sessí£o de fotos í  tarde, uma festa em que precisam estar presentes para serem vistas, admiradas, desejadas.

As pessoas acham que vivem uma vida de contos de fada. E elas querem acreditar nisso. Até que um escritor mais curioso resolve ní£o desistir, e ir adiante nas perguntas. Depois de muita hesitaí§í£o, terminam dizendo: “nasci para ser atriz. Portanto, sou capaz de fingir que esta miséria é a profissí£o mais glamorosa do mundo”.

A medida do amor

– Sempre desejei saber se era capaz de amar minha mulher como o senhor ama a sua – disse o jornalista Keichiro a meu editor Satoshi Gungi, enquanto jantávamos.

– Ní£o existe nada além do amor – foi a resposta. – É ele que mantém o mundo girando e as estrelas suspensas no céu.

– Sei disso. Mas como vou saber se meu amor é grande o suficiente?

– Procure saber se vocíª se entrega, ou se vocíª foge de suas emoí§íµes. Mas ní£o faí§a perguntas como esta porque o amor ní£o é grande nem pequeno; é apenas o amor.

“Ní£o se pode medir um sentimento como se mede uma estrada. Se vocíª fizer isso, vai comeí§ar a comparar com o que lhe contam, ou com o que está esperando encontrar. Desta maneira, sempre vai escutando uma história, ao invés de percorrer seu próprio caminho.”

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