Paulo Coelho

Stories & Reflections

As coisas como elas sí£o

Author: Paulo Coelho

É claro que nem sempre as coisas acontecem como querí­amos que acontecessem. Existem momentos em que sentimos que estamos bus­cando algo que ní£o está reservado para nós, dando murros em portas que ní£o se abrem, esperando milagres que ní£o se manifes­tam.

Ainda bem que as coisas sí£o assim – se tudo andasse como a gente quer, em breve ní£o í­amos ter mais assunto para escrever o roteiro dos nossos dias. Este roteiro é feito de nossos sonhos como alimento, mas de nossa luta como energia. E como sempre acontece com os guerreiros que gastam sua energia no Bom Combate, há momentos em que é melhor relaxar, e acreditar que o Universo continua trabalhando por nós em segredo, mesmo que ní£o possamos compreender.

Deixemos, portanto, que Alma do Mundo cumpra sua missí£o, e quando ní£o podemos ajudá-la, a melhor maneira de colaborar com ela é prestar atení§í£o í s coisas simples da vida – no pí´r do sol, nas pessoas que passam na rua, na leitura de um livro.

Entretanto, em muitos casos o tempo continua passando, e nada de excepcional acontece. Mas o verdadeiro guerreiro da luz acredita. Assim como as crianí§as acreditam.

Porque críª em milagres, os milagres comeí§am a acontecer.

Porque tem certeza que seu pensamento pode mudar sua vida, sua vida comeí§a a mudar.

Porque está certo que irá encontrar o amor, este amor aparece.

De vez em quando, se decepciona. í€s vezes, se machuca.

E entí£o escuta os comentários: “como é ingíªnuo!”

Mas o guerreiro sabe que vale o preí§o. Para cada derrota, tem duas conquistas a seu favor.

Em um interessante e minúsculo livro, “O Breviário da Cavalaria Medieval”, há um texto que deve ser lembrado nestes momentos de espera:

“A energia espiritual do Caminho utiliza a justií§a e a paciíªncia para preparar teu espí­rito.”

“Este é o Caminho do Cavaleiro. Um caminho fácil e ao mesmo tempo difí­cil, porque obriga a deixar de lado as coisas inúteis, e as amizades relativas. Por isso, no comeí§o, sente-se tanta hesitaí§í£o em segui-lo.

“Eis o primeiro ensinamento da Cavalaria: tu irás apagar o que até entí£o tinhas escrito no caderno de tua vida: inquietaí§í£o, inseguraní§a, mentira. E iras escrever, no lugar disto tudo, a palavra coragem. Comeí§ando a jornada com esta palavra, e seguindo com a fé em Deus, chegarás onde precisas”.

Mesmo assim, í s vezes continuamos esperando – com paciíªncia, resignaí§í£o, coragem – e as coisas a nossa volta ní£o se movem. Mas como foi esta a estrada que escolhemos, é impossí­vel que as bíªní§í£os da vida ní£o estejam trabalhando a nosso favor. Cabe, portanto, uma profunda reflexí£o sobre aquilo que chamamos de “resultados”: nosso destino está se manifestando de uma maneira que ní£o chegamos a compreender totalmente – mas está se manifestando! Jorge Luí­s Borges tem um conto magistral a este respeito.

Descreve o nascimento de um tigre que passa grande parte de sua vida na selva africana, mas termina sendo capturado e levado para um zoológico na Itália. A partir dali, o animal pensa que sua vida perdeu o sentido, e nada mais resta que esperar o dia de sua morte.

Uma bela manhí£, o poeta Dante Alighieri passa por aquele zoológico, olha o tigre, e o animal inspira um verso – no meio de milhares de versos – da “Divina Comédia”.

“Toda a luta pela sobrevivíªncia que aquele tigre travou, foi para que pudesse estar aquela manhí£ no zoológico, e inspirar um verso imortal”, diz Borges.

Assim como este tigre, todos nós temos uma razí£o – uma razí£o muito importante – para estarmos aqui, neste momento, nesta manhí£.

Relaxe, portanto. E preste atení§í£o.

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