Stories & Reflections
Zuenir Ventura
Assino o que Paulo Coelho disse da contrataí§í£o de Tony Blair como consultor do Rio nos Jogos Olímpicos de 2016: uma roubada. A exemplo do mago, mas sem a autoridade dele, que ajudou o Brasil a vencer a disputa pela sede, senti vergonha ao ver a emblemática camisa 10 sendo entregue a quem o escritor classificou de “criminoso de guerra”. Aliás, de “assassino” o chamaram também os familiares dos 150 soldados mortos no Iraque que assistiram ao depoimento do ex-premier no inquérito sobre a participaí§í£o do Reino Unido na derrubada de Saddam Hussein. O pretexto para a invasí£o foi a suposta existíªncia de armas de destruií§í£o em massa jamais encontradas. Segundo Paulo, esse “irresponsável que declarou uma guerra ilegal” vai desmoralizar o Brasil diante do mundo.
Dias depois de Blair apresentar sua inconsistente defesa, o diário “The Independent” denunciou que, dois anos antes da operaí§í£o anglo-americana contra o país árabe, o governo brití¢nico já tinha um plano secreto para promover a derrubada do presidente iraquiano. Vantagens como contratos petrolíferos, cancelamento da dívida, ajuda do FMI e do Banco Mundial seriam oferecidas í s forí§as golpistas se a tentativa desse certo.
Assinado em 11 de junho de 2001, o documento obtido pelo jornal prova que o primeiro-ministro tramava a queda de Saddam antes mesmo dos atentados de 11 de setembro, desmentindo assim o que ele disse í comissí£o de inquérito “” que os ataques í s Torres Gíªmeas e ao Pentágono haviam mostrado o risco que representava o ditador iraquiano.
Era tudo engodo, e o blá-blá-blá que usou com as famílias dos militares que morreram por sua causa foi o mesmo que já lhe rendeu US$ 20 milhíµes em palestras e consultorias. Diante disso, Tony Blair passou a ter o direito de ostentar também o título de “mentiroso”.
Em Madri, e provavelmente sem saber do documentobomba, o governador Sergio Cabral justificou sua escolha alegando que Blair “é uma personalidade respeitada e um dos mais importantes chefes de estado dos últimos 25 anos em todo o mundo”. É um exagero com o qual ní£o concorda, por exemplo, Paulo Coelho, para quem Blair, além de ter perdido posto, poder e prestígio em seu país e de ter fracassado como negociador no Oriente Médio, “tem as mí£os sujas de sangue, inclusive o de um brasileiro, Jean Charles, covardemente assassinado durante a paranoia instalada por Blair no seu governo”.
Será que ní£o havia disponível no mundo um personagem cuja imagem fosse menos controvertida? Ní£o teríamos condií§íµes de organizar as Olimpíadas sem essa consultoria? Como Cabral anda procurando atrair celebridades de fora “” tentou antes Rudolph Giuliani “” já imaginaram se ele resolve arranjar alguma coisa também para o Bush, de quem Blair sempre foi uma espécie de cachorrinho de colo?
Jornal O Globo, 3 Fevereiro 2010